Eu seria um pouco presunçoso nesta minha resenha crítica de “Samaritano” (Samaritan, 2022) ao classificá-lo de qualidade bem aquém de outros tantos filmes de ação em que se faz presente a fantasia envolta no drama do super-herói em que o nome estampa o título da produção. Aliás um drama familiar, neste caso entre Samaritano, estrelado pelo senhor Sylvester Stallone, e seu irmão Nêmesis, renascido por Pilou Asbæk.
A história desta produção gira em torno do conflito mortal entre os já citados Samaritano e Nêmesis, irmãos gêmeos que após sofrerem uma tragédia familiar, acabam caindo em conflito polarizado, o primeiro decidiu seguir pelo lado do bem, lutar pela justiça e ser o protetor; o segundo seguiu o caminho inverso, consumido pelo sentimento de vingança queria que o mundo sofresse. Neste propósito ambíguo do bem contra o mal, ambos se utilizam de seus poderes para uma batalha explosiva entre irmãos que acaba na suposta morte de Nêmesis.
O enredo original começa no formato de animação – para fazer uma alusão, talvez, devido a estética artística dos quadrinhos de super-heróis – sobre a história dos irmãos, a narração em off do personagem adolescente Sam Cleary (Javon ‘Wanna’ Walton) inicia na batalha do bem contra o mal travada entre o Samaritano e o Nêmesis, passando pela origem dos superpoderes de ambos, da tragédia familiar contra os pais, do motivo dos irmãos seguirem por caminhos opostos, a culminar na suposta derrocada mortal de um deles, em decorrência de uma explosão ocorrida durante a batalha travada em uma usina de energia.
Após a introdução dos irmãos, somos apresentados à vida cotidiana do garoto Sam com a sua mãe Tiffany Cleary (Dascha Polanco) frente as dificuldades financeiras, paralelo a vida reclusa do vizinho da frente, o reservado Joe Smith (Sylvester Stallone), este ocupa-se consertando coisas velhas e quebradas encontradas durante o seu trabalho diário como coletor de lixo.
Joe é um verdadeiro seguidor do Samaritano e a história do mascarado aconteceu há 25 anos, o jovem detém diversos desenhos e recortes sobre o antigo herói e refuta qualquer especulação de que ele esteja fingindo de morto ou que tenha abandonado a população da degradante cidade de Granite City.
O caminho do jovem Sam e do velho Joe se cruzam pela primeira vez em uma noite chuvosa, após o garoto observar o carrancudo de touca, e sob a chuva, abrir a tampa da lixeira do prédio para tirar de lá mais um de seus achados para consertar. A comunicação entre os dois acontece por iniciativa do menor, sentado no playground ele avista seu vizinho chegando do trabalho com um rádio velho em punho e o questiona sobre o objeto.
Enquanto Sam alimenta a sua admiração pelo Samaritano, conhecemos um outro admirador, mas agora a o admirado trata-se do personagem antagonista, o Nêmesis. O vilão tem como admirador o chefe da gangue do subúrbio, o violento Cyrus (Pilou Asbæk), cuja a prova da devoção carrega tatuado no peito.
No segundo encontro do jovem coadjuvante com Cyrus e sua gangue, este descobre o interesse daquele pelo bonzinho da história e o revela que Nêmesis era o seu herói de infância, segundo a sua perspectiva. Antes dessa descoberta, Cyrus repreendeu Reza (Moises Arias) e companhia após uma frustrada missão da qual tentou culpar Sam pela falha.
Enquanto todos acreditam que o Samaritano esteja morto, Sam convicto de que ele ainda está vivo, reforça a sua tese quando é perseguido e encurralado por Reza e seus comparsas, prestes a sofrer repressão destes, o vizinho Joe intercepta os delinquentes empenhando sobre eles a sua força descomunal, atitude que praticamente crava ao próprio Sam de que ele está diante da comprovação empírica de sua tese, a de que Samaritano estava vivinho da silva.
A comprovação foi carimbada e registrada em cartório após Joe ser ele mesmo “carimbado” (atropelado) pelos subordinados de Cyrus e, na sequência, se recuperar mais rápido que o tempo de cozimento de um miojo, tudo transcorrido frente aos olhos impressionados é entusiasmados de seu pequeno vizinho, agora seu fã e novo amigo.
No entanto, antes do “pequeno atropelamento” que acabou comprovando a Sam a identidade secreta de Joe, Cyrus e sua corja invadiram a delegacia da cidade e arrombaram o cofre onde estavam sob a custódia da polícia as máscaras dos gêmeos, incluindo a arma do Nêmesis, um martelo forjado pelo próprio vilão e carregado com seu ódio e sua raiva, a única coisa capaz de acabar com a vida do Samaritano.
É com a máscara sobre a face e o martelo em punho que Cyrus irá reviver o seu ídolo e terminar o que o Nêmesis começou. A porradaria se intensifica no momento em que a identidade do super-herói é revelada para toda a população de Granite City, assim que o encapuzado é flagrado pelos onipresentes celulares dos cidadãos e então disseminado por meio da mídia televisiva local.
O vilão renascido (Cyrus) não só sai à caça do inimigo de seu ídolo, como banca o militante barulhento (qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência) ao incitar a balbúrdia – um tipo de movimento social revolucionário – diante de uma multidão de pessoas que mais se assemelham a uma mistura de ratos e hienas saindo dos esgotos e das tocas alheias. Instala-se adiante a anarquia que rapidamente se torna uma ascensão culminada em roubos, saques, depredações, enfim, um caos à beira do colapso.
Como eu já disse, o terceiro ato desemboca para o óbvio, o encontro que acaba no confronto entre o idiota Cyrus e cansado Joe Smith, aqui o Chroma Key embala o cenário repleto de imagens geradas por computador (conhecido pelo acrônimo CGI, ou simplesmente efeitos especiais) e lutas em que o crédito parece ser mais dos movimentos e enquadramentos de câmera do que das coreografias dos dublês. Não que isso venha deturpar o entretenimento junto à qualidade da produção, ainda mais na presença da lenda viva Sylvester Stallone. A ação, em grande parte, até que garante o seu intuito, divertir. Apenas.
Por falar no mestre Stallone, ao seu lado temos um elenco desconhecido e bem limitado frente às câmeras e à bagagem de um dos maiores atores de filmes de ação vivos. Há momentos neste filme em que a nostalgia bate mais forte que o velho campeão Rocky Balboa, na cena em que o interprete e criador deste encontra-se com o menino Sam no telhado (terraço de cobertura) do prédio para treinar socos e orientar o jovem sobre bater e correr (parênteses para os risos); talvez os socos no ar de Sam sobre o olhar crítico de Joe remete à referência ao clássico de 1976, “Rocky”?
Gosto da relação construída entre Sam e Joe, uma espécie de pai e filho, vô e neto, velho e novo. Esse choque de gerações já foi visto em outras produções. Acredito que estruturado sobre um roteiro melhor escrito, renderia à trama uma carga emotiva que só tende a potencializar a história.
Eu acredito também que o filme “Samaritano” erra ao querer dar ao protagonista a característica de um super-herói, uma vez que temos duas potências dominadoras do gênero, Marvel e DC, fabricando histórias a granel e muitas vezes de qualidade questionável, em que o hype dura até após a estreia ao grande público.
O que falar das reviravoltas do roteiro capaz de deixar qualquer um boquiaberto e alguns meio confusos uma vez que a origem da luta entre o Samaritano (referência à ‘Parábola do Bom Samaritano‘, passagem presente na Bíblia em Lucas 10:30-37, qualidade àquele que é bom, caridoso, salvador) e o Nêmesis (origem no grego, indica vingança ou indignação justificada; sinônimo de inimigo) e relembrado ao longo do filme por meio de flashbacks capazes de confundir ao tentar explicar quem é quem e quem matou quem.
Uma vez que a reviravolta acontece, pode-se tirar uma conclusão de que o personagem-título pré-octogenário, independente de se revelar o contrário do que acreditou ser em quase todo o filme, ao longo dos 25 anos após a batalha mortal entre irmãos, Joe Smith retirou-se do mundo, e, talvez, imerso em um retiro espiritual, enfrentou os seus demônios, refletiu frente às mãos sujas com o sangue do seu sangue e ao conhecer o pequeno Sam Cleary (coincidência ou não, o nome inicial é formado pelas três primeiras palavras do nome de seu herói, SAMaritano) entrou em um caminho de busca por redenção e para preencher a si e ao seu semelhante com o bem.
Inté, se Deus quiser!
NOTA:
Trailer
Pôster
Curiosidades sobre Samaritano
O filme é inspirado em “Corpo Fechado” (2000) e “Encontrando Forrester” (2000);
Outra inspiração para a produção do filme “Samaritano” veio de uma história em quadrinhos da editora americana Mythos Comics. Samaritano não era imaginado para se transformar em um personagem de cinema, diferente dos super-heróis da Marvel;
As histórias em quadrinhos de Samaritano nunca foram traduzidas para o português;
Samaritano iniciou sua história lá no ano de 2015, no entanto a ideia de transformá-lo em um produto audiovisual tornou-se realidade 7 anos depois;
No armazém de Cyrus pode ser visto o jogo arcade “Robocop”. Um filme paralelo onde a cidade está em caos e anarquia em busca de um farol de esperança;
Samaritano tem vários personagens interpretados por atores usando maquiagem para dar a aparência de estarem fortemente tatuados. Sylvester Stallone, que na verdade está tatuado no peito e nos braços, usa maquiagem para interpretar um personagem não tatuado;
Esta é a primeira vez em um filme que vemos o histórico de boxe de Javon ‘Wanna’ Walton colocado em uso;
Uma analogia pode ser vista com Sansão derrubando os pilares do templo e matando as multidões, assim como a si mesmo, quando Joe vai para os pilares da usina;
A produção teve as suas filmagens rodadas nas cidades de Atlanta e Georgia, nos Estados Unidos. As locações principais foram realizada em Downtown Atlanta, Bulding, Auburn Avenue e no Distrito Federal da cidade;
Sylvester Stallone e Martin Starr trabalhariam mais tarde juntos em “Tulsa King” (2022);
Sylvester Stallone, Martin Starr e Michael Aaron Milligan fizeram aparições no MCU (Marvel Cinematic Universe – Universo Cinematográfico Marvel). Stallone esteve em “Guardiões da Galáxia Vol. 2” (2017), Starr esteve em O “Incrível Hulk” (2008) e nos filmes do “Homem-Aranha” do MCU, e Milligan foi o substituto de Paul Rudd para “Homem-Formiga” (2015);
Este é o primeiro filme de Julius Avery e Pilou Asbæk desde “Operação Overlord” (2018);
Colocação óbvia de produtos para roupas íntimas Calvin Klein e Everlast (gorro);
Este é o segundo filme de Sylvester Stallone em que um dos bandidos se chama Cyrus. O primeiro foi “O Implacável” (2000);
Stallone está cercado pelo elenco menos conhecido de todos os seus filmes desde 1970;
Pilou Asbæk (Cyrus) e Martin Starr (Albert Casler) estiveram ambos na série “Game of Thrones” (2011 – 2019);
Quando Sam se machuca no hospital, o PA diz: “Dr. Davis, telephone please. Dr. Davis, telephone please.” (Dr. Davis, telefone, por favor. Dr. Davis, telefone, por favor). Esse é um antigo efeito sonoro de hospital encontrado em um álbum de efeitos sonoros não identificado, que é muito comum em efeitos de fundo. Também é famoso por ter sido encontrado no início do álbum “Operation: Mindcrime”, do Queensrÿche, na abertura de “‘T.nT.'”, do Motley Crue (1989), e “Catapult”, do Phish (1992), além de ser reconhecido em muitos outros programas de TV e filmes.
Ficha técnica
Diretor: Julius Avery.
Roteiro: Bragi F. Schut.
Produtores: Braden Aftergood, David Kern, Guy Riedel, Adam Rosenberg, Bragi F. Schut e Sylvester Stallone.
Diretor de fotografia: David Ungaro.
Editor: Pete Beaudreau e Matt Evans.
Design de produção: Greg Berry e Christopher Glass.
Figurino: Kelli Jones.
Cabelo e maquiagem: Ellen Arden, Maurice Beaman, Crystal Broedel, Fionagh Cush, Amanda Denkler, Mary Flaa, Greg Funk, Mark Garbarino, Eric Garcia, Noel Hernandez, Forrest Hill, Mae Hill, Tess Laeh, Joseph Negrete, Kim Perrodin, Stephen Prouty, Akilah Robinson, Monty Schuth, Kaylee Swisher, Phyllis Temple, Ariane Turner, Michealle Vanderpool, Adam Walls, Steven C. Young e Tim J. Hays..
Música: Kevin Kiner e Jed Kurzel.
Elenco: Sylvester Stallone, Javon ‘Wanna’ Walton, Pilou Asbæk, Dascha Polanco, Sophia Tatum, Moises Arias, Martin Starr, Jared Odrick, Michael Aaron Milligan, Henry G. Sanders, Abraham Clinkscales, Shameik Moore, Frederick Williams, Kevin Mikal Curry, Roger Payano, Dwayne A. Thomas, Aria Seymore, Nicholas Logan, Ritchie Montgomery, Vinnie Coppola, Paul Ryden, Jaime Andrews, Milli M., Drew Matthews, Diane Oxford, Janice Wesley, Joe Knezevich, Ryan Dinning, Anthony Neves, Patrick Lamont Jr., John Rymer, Andrew Ayala, Shariff Earp, Brice Anthony Heller, Priscilla Alarcon, Shane Berengue, Gloria Bishop, Tommy Campbell, Maximo Duran, Steve Hamilton, Anthony B. Harris, Julie Haught, Shaan Merchant, Angel Nair, Laura Palka, Deacon Randle, Scott Rapp, Rahiem Riley, David M Sandoval Jr., Eric Daniel Stumpp, Art Sunday, Audrey Williams, Olaolu Winfunke, Tracy Cunningham, Nathan W. Collins, Chandra Gaines, Michael Lehr e Robert Tinsley.
O novo filme produzido pela Netflix, The Old Guard, tem direção de Gina Prince-Bythewood e é uma adaptação da aclamada história em quadrinho homônima criada…
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