Resenha do Filme O Milagre (2022, Sebastián Lelio)

O título do filme “O Milagre” (The Wonder), do diretor chileno Sebastián Lelio, pode ser interpretado de forma conotativa; um deboche à religião – principalmente à religião Católica – e à fé, sendo esta o meio pelo qual torna-se possível alcançar um milagre. Os símbolos enaltecem algumas pautas progressistas enquanto demonizam valores e princípios cristãos sob um comportamento fanático de uma família cristã do século XIX.


A história épica – com roteiro adaptado do livro escrito por Emma Donoghue – se passa em plena Era Vitoriana (1837-1901), em 1862, a trama acompanha a ida da enfermeira inglesa Elizabeth Wright (Florence Pugh) até um remoto vilarejo irlandês (The Irish Midlands) para observar e investigar o suposto jejum milagroso de Anna O’Donnell (Kíla Lord Cassidy), a garota de 11 anos de idade está há quatro meses sem comer e se diz ser alimentada pelo maná do céu.

Elizabeth Wright fora casada há menos de um ano, o seu marido sumiu e ela então o considera morto; logo após, a então viúva, sofre a perda de sua bebê de apenas três semanas e dois dias. Antes de sua ida à Irlanda, a enfermeira também passou alguns dias em um campo de guerra onde prestava seus serviços aos soldados feridos. Este acontecimento, somado às tragédias pessoais, deixaram traumas psicológicos na alma de Lib.

Talvez o parágrafo acima explica o ritual que Lib faz todos os dias, antes de dormir; entende-se que o uso do líquido (provavelmente um tipo de sedativo), seguido da autopunição ao furar a ponta do dedo, seja uma forma dela desconectar-se do tempo passado e do tempo presente para conseguir ter uma noite de descanso.

Lib Wright em transe após o ritual que ela faz antes de dormir.
Lib Wright (Florence Pugh) deitada na cama com a cabeça suspensa após realizar uma espécie de ritual noturno, antes de dormir.

Dizer que Sebastián Lelio não merece algum elogio pela sua direção seria hipocrisia da minha parte, uma vez que ele consegue contar a sua história em uma estética apurada, mérito possível com as colaborações da atraente direção de fotografia assinada por Ari Wegner, da hipnotizante trilha sonora criada pelo músico e produtor Matthew Herbert – que em certas cenas intensifica a melancolia e em outras enaltece a tensão proposta – e também do elenco competente comprovado em diversas cenas, neste sobressai as interpretações de Florence Pugh e Kíla Lord Cassidy.

No entanto o talento de Lelio se aplica de maneira ardilosa, a fim de ludibriar o telespectador por meio da ignorância à religião e aos religiosos – neste caso, católicos. O diretor chileno desenvolve uma história dramática em tom de suspense que, não à toa, utiliza-se de uma isolada mazela cristã (o fanatismo religioso, abominado inclusive por este que vos escreve) como uma brexa para adentrar com a militância progressista contra a religião e os religiosos.

Em meio à polaridade evidente entre esquerda e direita, progressistas e conservadores – não só no Brasil, mas em todo o planeta – não podemos deixar de fazer uma resenha crítica sem observar a visão política da pessoa por trás da câmera e os temas explorados em filmes produzidos anteriormente pela mesma.

No caso do diretor deste filme (“O Milagre”) é possível notar em sua filmografia um leque diversificado de temas recorrentes às pautas inclusas na agenda “progressista” – ideais que se estreitam aos movimentos ligados mais à esquerda: a dissolução da família tradicional, teologia da libertação, ideologia de gênero e feminismo são algumas das causas que se distanciam dos valores judaico-cristãos conservadores e agrada a política identitária de Hollywood. Não é por menos que o diretor latino-americano recebeu em 2018 um Oscar de “Melhor Filme Estrangeiro”.

Esses temas estão presentes na vida de Sebastián Lelio, prova esta explícita no trecho a seguir, destacado entre aspas, retirado de uma entrevista cedida em 2018 para o jornal Correio Brasiliense: “(…) Não conduzo nenhum projeto como mero exercício profissional. Trato cada projeto, pelo que é: um pedaço da minha própria vida”. [entrevista completa]

Imagens de santas, Nossa Senhora com o Menino Jesus no colo e Bíblia sendo queimadas.
Cartões com imagens de santas, busto de Nossa Senhora segurando o Menino Jesus no colo e Bíblia em zoom, enquanto são destruídas pelo fogo.

Além de atuar no campo do cinema, Sebastián Lelio utilizou seu talento por trás das câmeras este ano (2022), quando atuou no campo político, ele foi o diretor da campanha audiovisual do “Aprovo”, esta opção significaria aprovar a proposta da nova Constituição do Chile. A nova proposta foi rejeitada pela maioria da população (61,86%) através de um referendo realizado no dia 4 de setembro de 2022, no texto da nova Constituição Chilena incluía diversas propostas da agenda da esquerda “progressista”.

De volta à personagem interpretada por Florence Pugh, Lib Wright carrega uma fisionomia melancólica e até carrancuda marcada pelo fardo de um passado atormentado. O seu trabalho em vigiar Anna, logo se torna uma rotina investigativa e repleta de diálogos entre as duas que se arrastarão lentamente até à confissão no qual se revelará um passado trágico e traumático na vida da garota.

Na história há a presença do jornalista Will Byrne (Tom Burke), compatriota de Lib, presente no local para colher informações e testemunhos sobre o suposto milagre e assim contar e publicar a sua história. A proximidade dos dois resultará em um troca-troca de favores (aqui também inclui sexo) entre o jornalista e a enfermeira (Lib).

Lib Wright, Anna O'Donnell e Will Byrne caminham.
Anna O’Donnell caminha em companhia de Lib Wright e Will Byrne.

O ato final de Lib é pensado com astúcia: ludibriar Anna para que esta “morra” e “renasça” como outra pessoa, livre do passado, livre do vilarejo, livre da família, livre dela mesma, da sua identidade… pois agora Anna é Nan, Nan Cheshire. É bem mais fácil destruir – assim como Lib quebra o busto/imagem de Nossa Senhora. Seria mera coincidência com o que faz a esquerda “progressista”? Sendo o Diabo o pai da mentira, para simular a morte de Anna (ou seria Nan?) – agora sem a “ressurreição” -, a enfermeira simula um incêndio na casa da família O’Donnell para relatar ao comitê que Anna ao pó tornaste.

É curioso observar, em meio às chamas arrebatadoras, os enquadros em close da câmera de Sebastián Leli nos cartões com as imagens das santas, os cacos do busto de Nossa Senhora segurando o Menino Jesus e a Bíblia aberta todas ardendo nas chamas da profanação. A cena descrita no parágrafo anterior parace até que foi inspirada em cenas da vida real do pós-modernismo. Você recorda dos atos profanos ocorridos no Chile (país do diretor Sebastián Lelio), no ano de 2020, em que militajntes da extrema-esquerda incendiaram e destruíram igrejas católicas?

Se a intenção do diretor foi transformar a personagem Lib Wright em uma mulher empoderada, uma heroína, infelizmente ele errou, e feio; o relativismo moral é perverso, a personagem de Lib praticamente enquadra-se em vários crimes: crime contra o patrimônio e contra a família já são o suficiente. A presença dos pais de Anna na cabada era frequente, seria impensável alguém da família O’Donnell não estar lá. Não teria estante mais apropriada para “O Milagre” do que o catálogo da Netflix, uma vez que esta produção segue a cartilha “progressista” da qual orienta-se grande parte das produções originais da plataforma de streaming.

NOTA:  Nota do crítico: 2 estrelas (ruim)

 

Trailer

Pôster
Pôster do filme "O Milagre" (2022)

Curiosidades sobre O Milagre

  • Elaine Cassidy (Rosaleen O’Donnell) e Kíla Lord Cassidy (Anna O’Donnell) são mãe e filha na vida real;
  • Há um exemplo de fotografia post-mortem na casa dos O’Donnell. As fotos eram caras durante o período definido e normalmente apenas um fotógrafo de casamento era contratado para tirar uma foto do casal. Mas se um membro da família morresse, eles apoiariam o falecido e tirariam uma foto de grupo para lembrar essa pessoa;
  • A música “Céad Míle Fáilte Romhat, A Íosa”, cantada pela família, é um hino gaélico tradicional que se traduz como cem mil boas-vindas, ó Jesus;
  • Este filme reúne Florence Pugh com sua roteirista de “Lady Macbeth” (2016), Alice Birch. Nos anos desde o lançamento de “Lady Macbeth”, Birch se tornou um roteirista e showrunner muito popular, e Pugh se tornou uma atriz indicado ao Oscar;
  • Uma das santas que Anna discute com Lib é Santa Catarina de Siena. Ela era conhecida por seu jejum extremo, que se acreditava ter apressado sua morte. Ela é a padroeira das pessoas ridicularizadas por sua fé e das enfermeiras;
  • Segunda adaptação do romance de Emma Donoghue estrelada por uma atriz do MCU (Marvel Cinematic Universe) depois de “O Quarto de Jack” (2015) (embora Brie Larson não tenha assinado contrato com o MCU até 2016);
  • Eleanor O’ Brien e Niamh Algar apareceram em “A Última Viagem” (2019);
  • A passagem que Rosaleen está lendo para Anna em seu quarto é 19:26;
  • O início do filme vai do estúdio de cinema ao interior de um navio e o final vai do interior de um cruzador ao estúdio de cinema, brincando com o tema Inside and Out (dentro e fora) mencionado ao longo do filme.

Ficha técnica

Diretor: Sebastián Lelio.
Roteiro: Emma Donoghue, Sebastián Lelio e Alice Birch.
Produtores: Len Blavatnik, Danny Cohen, Emma Donoghue, Ed Guiney, Juliette Howell, Angus Lamont, Andrew Lowe, Patrick O’Donoghue, Tessa Ross e Jasmina Torbati.
Diretor de fotografia: Ari Wegner.
Editor: Kristina Hetherington.
Design de produção: Grant Montgomery.
Figurino: Odile Dicks-Mireaux.
Cabelo e maquiagem: Brid Broadberry, J. Denelle, Morna Ferguson, Deirdre Fitzgerald, Fiona Hogan, Danielle Kane, Lorri Ann King, Niamh Matthews, Kirsty-Cyane McGill, Eithne O’Hanlon, Tina Phelan, Ciara Scannell, Jessie Whelan e Beth Young.
Música: Matthew Herbert.
Elenco: Niamh Algar, Florence Pugh, David Wilmot, Ruth Bradley, Darcey Campion, Abigail Coburn, Carla Hurley O’Dwyer, Juliette Hurley O’Dwyer, Carly Kane, Toby Jones, Dermot Crowley, Ciarán Hinds, Brían F. O’Byrne, Josie Walker, Elaine Cassidy, Caolan Byrne, John Burke, Mary Murray, Kíla Lord Cassidy, David Maine, Graeme Coughlan, Tom Burke, Bryan Moriarty, Peadar Cox, Stephen Ball, Emer Casey, Niamh Finlay, Janet Grene e Ava May Taylor.

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