Resenha do Filme Névoa em Agosto (2016, Kai Wessel)

O filme “Névoa em Agosto” de 2016 é a adaptação para o cinema do romance literário homônimo de Robert Domes, é baseado na história real de Ernst Lossa, um garoto yeniche que é internado em um hospital psiquiátrico, mais tarde ele descobre que a instituição está inserida no programa de eutanásia nazista.


Eu não queria dizer que o filme “Névoa em Agosto” (2016) é baseado em fatos reais, mas infelizmente trata-se de uma história verídica, ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial, que tem como protagonista Ernst Lossa (Ivo Pietzcker), um menino órfão yeniche (a terceira maior etnia nômade da Europa) com 13 anos de idade que descobre estar em um programa nazista que visa assassinar todos os internos do hospital psiquiátrico onde ele e seus colegas estão.

Enfermeira Edith Kiefer recolhendo a caneca que Ernst derrubou.
Enfermeira Edith Kiefer (Henriette Confurius) recolhe a caneca com suco de framboesa e barbitúrico que o Ernst acabara de derrubar.

Ernst chega ao hospital psiquiátrico Kaufbeuren-Irsee e, andando pelos corredores do sanatório, descobre que o lugar está repleto de pessoas que ele chama de idiota, mas que na verdade são seres humanos com alguma doença ou deficiência mental. Logo o garoto faz amizade com algumas crianças, em especial Nandl (Jule Hermann) e a irmã Sophia (Fritzi Haberlandt), a enfermeira chefe. É através desta que ele descobre que todos internos fazem parte do programa de eutanásia nazista.

O diretor alemão Kai Wessel consegue captar perfeitamente os vários sentimentos e expressões de Ernst e dos internos. Mesmo diante de toda obscuridade, há ainda poucos resquícios da inocência característica presente em uma criança, o regime nazista roubou tudo, inclusive a vida de muitas delas. Em momentos raros conseguimos notar um riso aqui e alguma brincadeira acolá, mas tudo passa de uma tentativa de esquecer o momento em que estão lutando passivamente para sobreviver.

Ernst Lossa e Nandl brincando.
Ernst Lossa (Ivo Pietzcker) e Nandl (Jule Hermann) em um momento raro de brincadeira.

A luta da irmã Sophia contra o diretor Dr. Walter Veithausen (Sebastian Koch) fica ainda mais difícil com a chegada da enfermeira Edith Kiefer (Henriette Confurius), pois esta se responsabiliza friamente a ceifar a vida das crianças que estão na lista de morte do Dr. Veithausen. A nova enfermeira possui um método para matar em que consiste colocar barbitúrico no suco de framboesa para que as crianças bebam sem cuspir.

Espanta ver a interpretação de Sebastian Koch, o Dr. Walter Veithausen, mesmo com tantos métodos de crueldade ministradas pelo então diretor doutor do sanatório, ele acredita estar fazendo a coisa certa para garantir um futuro prospero e saudável à raça ariana. É de uma insanidade mental sem igual a cena em que ele (Veithausen) faz uma apresentação prática do novo método econômico utilizado para provocar a morte, assim que encerra sua demonstração é aplaudido por todo o alto escalão nazista reunido à mesa.

Há duas falas da irmã Sophia em que ela lembra da existência de Deus acima de todas as coisas e seres, e que homem nenhum é mestre da vida ou da morte. Ernst indaga a irmã Sophia sobre o método de morte ministrado pela enfermeira Kiefer, então a irmã responde ser uma questão muito difícil e em seguida diz a frase: – “É que os homens são criaturas de Deus e nenhum de nós pode ser o mestre da vida e da morte”. Outra fala de grande impacto da personagem é dirigida ao seu diretor quando ela o questiona à prática da eutanásia: – “É que na verdade existe um poder ainda maior que o seu fuhrer.”

Irmã Sophia e Ernst
Irmã Sophia (Fritzi Haberlandt) e Ernst.

É admirável a fé e esperança presente também no jovem Ernst, mesmo em meio a tanto sofrimento, desespero, maldade e morte. É possível ver esses sentimentos vivos na cena em que Ernst e Nandl estão no lago, navegando lentamente no barco a remo, sob o luar e Nandl rompe o silêncio da noite com a pergunta: -Será que Deus está mesmo lá em cima? E sem pestanejar Ernst a responde: – Sim. Claro.

O elenco adulto e infantil contracenam maravilhosamente, os diálogos entre o casal de atores Ivo Pietzcker (Ernst) e Jule Hermann (Nandl) são de um carisma imenso, uma linda amizade cheia de promessas lançadas à névoa. Os atores Sebastian Koch (médico) e Henriette Confurius (enfermeira) interpretam o que chamamos de lobo em pele de cordeiro, uma especie de maldade doentia é fria.

Mais impactante que o corvo pousando na janela do quarto de Nandl, são os dados e fatos relatados sobre o acontecimento do qual o filme Névoa em Agosto foi baseado, principalmente quanto a punição irrisória dada aos principais assassinos envolvidos. O filme é uma excelente obra cinematográfica que nos mostra um dos vários extermínios realizados pelo nazismo contra a vida humana, seja de homens, mulheres ou crianças.

NOTA: Nota do crítico - 5 estrelas (excelente!)

 

Trailer

Pôster

Pôster do filme "Névoa em Agosto" (2016)

Curiosidades sobre Névoa em Agosto

  • É a história de Ernst Lossa, nascido em 1929 em Augsburgo, Alemanha. Lossa era membro dos Yenish (terceira maior etnia nômade da Europa), um grupo de alemães que possuem seu próprio dialeto (língua yeniche, mistura de vários dialetos de alemão como iídiche, romani e rotwelsch) dessa língua e que viajam de um lugar para outro. (Talvez o grupo de língua inglesa mais comparável seja o dos Irish Travellers.) Lossa era um garoto mau, cujo pai acabou em Dachau (Campo de concentração de Dachau) pelo menos duas vezes (embora tenha sido libertado). Depois de cometer muitos pequenos crimes, ele acabou em um sanatório chamado Kaufbeuren, que funciona até hoje;
  • Em 1939, os nazistas, por meio de um decreto chamado Aktion T4, anunciaram que qualquer pessoa que eles considerassem ter uma doença incurável ou “defeito mental” seria enviada para um campo de concentração chamado Hadamar;
  • De acordo com as diretrizes para educadores sobre o ensino do Holocausto, publicadas em 20 de abril de 1999 pela USHMM (United States Holocaust Memorial MuseumMuseu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos), Washington, DC, até meio milhão de ciganos [Romani e Sinti] e pelo menos 250.000 deficientes mentais e físicos foram vítimas de genocídio [perpetrado pelos nazistas].

Ficha Técnica

Diretor: Kai Wessel.
Roteiro: Holger Karsten Schmidt e Robert Domes.
Produtores: Ismael Feichtl e Ulrich Limmer.
Diretor de fotografia: Hagen Bogdanski.
Editor: Tina Freitag.
Design de produção: Christoph Kanter.
Figurino: Esther Amuser. 
Cabelo e maquiagem: Jennifer Berr, Kathrin Bornmüller, Andrea Braun, Nadine Eckstein, Uschi Filipp, Tünde Kiss-Benke, Astrid Mariaschk, Marcus Michael, Alexander Moser, Annika Niessen, Michaela Payer, Lisa Schmermer, Karoline Strobl e Kiky von Rebental.
Música: Martin Todsharow.
Elenco: Ivo Pietzcker, Sebastian Koch, Jule Hermann, Fritzi Haberlandt, Thomas Schubert, Henriette Confurius, Branko Samarovski, David Bennent, Karl Markovics, Patrick Heyn, Christian Redl, Carla Karsten, Niklas Post, Juls Serger, Lyonel Hollaender, Annely Gerda Prey, Arne Wichert, Ben Nicolas Behrend, Simon Schröder, Louis Prahl, Kurt Wenger, Erwin Zwibusch, Franziska Singer, Robin Nickel e Hendrik Mohr.

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