O filme “Descanse em Paz” (‘Descansar en paz’) é uma produção dirigida pelo argentino Sebastián Borensztein que coloca o espectador frente ao suspense dramático vivido pelo protagonista Sergio Dayan (Joaquín Furriel), um empresário, esposo e pai de família que está falido. Pressionado pelas suas dívidas e disposto a livrar a família da ruína financeira, ele se vê diante de um dilema moral, cujo preço a pagar pela decisão tomada vai impactar em um alto custo paradoxal à intenção de Sergio e à vida da sua família.
A história que se assiste na produção argentina “Descanse em Paz”, tem como base o romance de 2018, intitulado “Descansar en paz: ¿Nunca soñaste con dejar todo y empezar de nuevo?” (‘Descanse em paz: você já sonhou em largar tudo e recomeçar?’), escrito pelo argentino Martin Baintrub. A publicação foi o primeiro romance do escritor, que é filho de mãe católica e pai judeu, pode ser este o motivo do filme mostrar um pouco da cultura judaica com a cerimonia do Bar Mitzvá dedicado à filha do personagem central.
Outro fato verídico mostrado no longa-metragem é o atentado terrorista ao prédio da Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), ocorrido em Buenos Aires, no dia 18 de julho de 1994. Infelizmente o ataque deixou 85 pessoas mortas e feriu centenas, inclusive o personagem Sergio Dayan, que aproveita a fatídica situação para fingir a sua morte e mudar de país.
Antes da morte forjada e da consequente fuga do protagonista ao Paraguai, a história mostra Sergio dentro de uma joalheria, pensativo e preocupado com a situação em que se encontrava financeiramente, a câmera então foca em seu rosto, o olhar fixado através da vitrine da loja vê um mendigo sentado na calçada em companhia de seus cachorros, como se imaginando no lugar daquele homem em um futuro próximo. A atenção de Sergio retorna ao tempo presente quando o vendedor lhe avisa que o cartão do banco foi recusado. Seria esse cenário uma premonição da vida futura do patriarca?
O Bar Mitzvá da filha é talvez o ponto de partida para que o pai decida tomar a atitude que para ele pode ser a única maneira de livrar a família do colapso financeiro, principalmente após ele presenciar o discurso da filha – uma fala que o emociona e que adiciona um peso tremendo em sua consciência, sentimento intensificado no momento em que ele se vê sozinho e distante do amor das pessoas que mais o ama, a sua família.
A cena que deixa Sergio apavorado – e em alerta quanto a segurança da sua família -, advém logo após a filha finalizar o discurso em homenagem aos pais, quando ele encara o olhar de um homem que está de pé, comendo bolo, do outro lado do salão observando tudo o que acontece naquele momento em família. A presença de um dos capangas do agiota (Gabriel Goity) é uma mensagem em tom de ameaça para que Sergio pague o que deve o quanto antes.
Em casa, Sergio revela tardiamente à esposa (Griselda Siciliani) que não vê uma saída para salvar a empresa da falência e para piorar ele confessa que os salários, bônus e férias dos funcionários estão atrasados faz alguns meses. Alheia a toda essa situação, até então, ela o questiona sobre o porquê de não ter contado sobre a situação antes que chegasse ao extremo. A conversa entre o casal segue com algumas opções para quitar a dívida, mas nada é o suficiente para chegar ao valor.
Desse momento em diante muitas coisas dentro e fora da família Dayan vão degringolar devido à situação financeira precária em que eles se encontram. A ida de Sergio até o escritório de Hugo Brenner (o agiota) causa mais tensão à trama e ao próprio devedor, após uma tentativa frustrada de prolongar o prazo do pagamento, para além de uma semana – a negativa é seguida de um ultimato em tom de ameaça contra o inadimplente e sua família.
Os problema de Sergio não é somente financeiro, mas também de saúde, pois assim que encerra a conversa com o agiota, ele vai até uma farmácia e apresenta uma receita vencida para comprar clonazepam, quando a balconista nega a venda do remédio, a ansiedade dele se perde em um gesto de fúria, sucedido em um pedido de desculpas e então se dá – talvez por piedade – a liberação para a venda do popular Rivotril.
A confusão e os problemas do protagonista seguem em alta refletindo no núcleo familiar com a filha se envolvendo em brigas no ambiente escolar, ao ouvir uma colega acusar o pai (Sergio) de vigarista. Outro atrito se vê em pleno almoço de família, o cunhado de Sergio o cobra sobre um dinheiro emprestado, uma cena que gera constrangimento e resulta na briga entre os parentes.
Em um fatídico dia, Sergio deixa o carro em um estacionamento e caminha com uma pasta de mão até que em seu caminho, de repente, um atentado a bomba acaba o atingindo, situação em que ele aproveita para fugir do seu país (Argentina) para o país vizinho (Paraguai) e assim simular a sua morte para fazer com que sua família receba o seu seguro de vida, livrando a sua esposa e filhos dos problemas financeiros em que ele os envolveu.
A diante, o filme “Descanse em Paz” segue uma narrativa paralela onde de um lado o espectador testemunha o recomeço do empresário no país vizinho, portando uma identidade falsa que o ajuda a conseguir um emprego em uma loja de equipamentos eletrônicos e assim viver uma vida solitária e reclusa com o seu novo amigo, um cachorro. Por outro lado, a esposa e os filhos acreditam na morte do marido/pai e seguem em luta pelas suas vidas.
Assim que Estela Dayan (a esposa) recebe o dinheiro do seguro de vida do esposo, ela inicia uma saga para quitar as dívidas deixadas pelo marido. Após pagar todos os salários atrasados dos funcionários da empresa do marido, ela vai até o escritório do agiota com o intuito de pagá-lo, mas ele nega o dinheiro dela dizendo que quem o devia era o marido e não ela, assim inicia um relacionamento controverso e inimaginável frente ao perigo que esse homem representou à vida da família dela, caso o marido não tivesse mudado para outro país e assim ser decretado morto.
O diretor Sebastián Borensztein transfere ao drama do casal um suspense paulatino, pelo qual todas as ações tomadas por Sergio e Estela são suscetíveis às críticas e aos questionamentos éticos. O sentimento de aflição é uma tendência crescente e inevitável, em especial quando Sergio encontra o perfil da filha no Facebook e começa a acompanhar os vídeos com um sorriso no rosto, até que um dia a filha posta um novo filme onde ela confessa para o noivo a saudade do pai, atitude que faz o sorriso se afogar em meio às lágrimas de um pai com o coração mergulhado em saudades. Diante do que se apresenta na tela, não será fácil desgrudar do sofá durante os 105 minutos de filme.
Para contribuir à qualidade da produção argentina, junto à direção convincente de Borensztein e a ótima adaptação do roteiro, o seleto elenco de atores colaboram para um longa-metragem digno de figurar como dica de filme argentino para assistir. “Descanse em Paz” tem a sua história classificada no gênero suspense dramático que convence ao mostrar as surpresas oriundas das atitudes humanas, talvez evitadas, neste caso, pela comunicação entre o casal entre outras questões como administração e educação financeira.
A consequência dos erros do casal Sergio e Estela vão conduzir a família deles para um destino destrutivo e tendo como cenário a cerimônia e a festa de casamento da filha, infelizmente um acontecimento trágico em um dos dias mais importantes na vida de uma mulher. Um dos momentos mais pesados se dá durante a cerimônia, quando Sergio vê a filha entrando na igreja na companhia de Hugo Brenner (o agiota). O trabalho de edição de Alejandro Carrillo Penovi intensifica o clima carregado de tensão, as cenas que se seguem são de tirar o fôlego até que o título seja traduzido em um letreiro em luto: “Descanse em Paz”.
Não é de hoje que o cinema argentino impressiona o mundo com seus filmes de profundo impacto capazes de marcar para sempre na memória. Muitas dessas produções estão munidas de histórias impressionantes, em sua grande parte transformadas em roteiros surpreendentes. No conjunto da obra, a junção disso resulta em um produto final de qualidade, capaz de fazer frente às grandes produções do mundo. Não me resta dúvida de que a indústria cinematográfica da Argentina está entre as melhores da América Latina.
Inté, se Deus quiser!
NOTA: 
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Pôster
Ficha técnica
Diretor: Sebastián Borensztein.
Roteiro: Martin Baintrub, Sebastián Borensztein e Marcos Osorio Vidal.
Produtores: Ezequiel Crupnicoff, Chino Darín, Ricardo Darín, Matías Levinson, Juan Lovece, Federico Posternak e Marcelo Susevich.
Diretor de fotografia: Rodrigo Pulpeiro.
Editor: Alejandro Carrillo Penovi.
Direção de arte: Daniel Gimelberg.
Figurino: Mónica Toschi.
Cabelo e maquiagem: Alberto Moccia.
Música: Federico Jusid.
Elenco: Joaquín Furriel, Griselda Siciliani, Gabriel Goity, Lali Gonzalez, Luciano Borges, Liz Burnette, Raul Daumas, Alberto De Carabassa, Gastón Frías, Victoria Grace, Favio Pastorino, Facundo Reyes, Ernesto Rowe, Ian Sharkey e Santiago Zapata.