Filme "A Teia" (2024), Adam Cooper.

Resenha do filme A Teia (2024, Adam Cooper)

Um ponto interessante no filme “A Teia” (‘Sleeping Dogs’) é o quanto o personagem de Russell Crowe (sob a memória formatada pelo Alzheimer) se dedica e reavive todo o processo investigativo de um caso brutal de assassinato que já dura uma década. Ao agir para encontrar o verdadeiro assassino, salvar a vida de um preso inocente a ser executado e livrar a consciência dos erros pessoais e profissionais do passado, o ex-detetive Roy Freeman (Crowe) lembrará de um eu inconsciente até então esquecido e paradoxalmente condenado por um eu diferente, consciente.


Na direção de estreia do roteirista Adam Cooper, “A Teia” (‘Sleeping Dogs’), Russell Crowe é Roy Freeman, um ex-detetive de homicídios que tem o seu distintivo tomado por conta de um acidente em que dirigia embriagado. Logo após o acidente, Freeman participa de um tratamento inédito e revolucionário (um experimento cerebral) para estimular a recuperação da memória perdida ao desenvolver Alzheimer. Várias fitas com anotações básicas do dia a dia são coladas por todo o apartamento, um controle remoto encontrado no micro-ondas é um sinal de que nem todas as anotações onipresentes ao seu redor são suficientes para fazer lembrá-lo.

Após Freeman atender a ligação de uma mulher chamada Emily Dietz (Kelly Greyson), que se identifica como sendo ligada a um projeto que ajuda a defender presidiários que foram privados de direitos pelo sistema e que estão no corredor da morte, Freeman encontra-se com ela e ouve sobre um antigo caso dele: Isaac Samuel (Pacharo Mzembe) – condenado no assassinato brutal do professor doutor Joseph Wieder (Marton Csokas), cometido há 10 anos. Prestes a ser executado, o homem em cárcere pede – por intermédio de Dietz – para falar com os detetives que o interrogou na noite de sua confissão.

Dra. Margaret Xu examinando o curativos nas incisões feita na cabeça de Roy Freeman.
Dra. Margaret Xu (Ming-Zhu Hii) troca o curativo das incisões paralelas feitas na cabeça de Roy Freeman, enquanto ela explica as memórias relatadas por seu paciente em pleno tratamento.

Depois de Freeman escutar do presidiário que ele é um homem inocente quanto ao assassinato de Joseph Wieder e que dentro de alguns dias sua condenação à morte será consumada, Samuel conclui que só confessou a autoria do crime devido a pressão violenta sofrida no interrogatória realizado por ele (Freeman) e Jimmy Remis (Tommy Flanagan), seu parceiro na época do crime. Ao contar a versão que ele testemunhou, o rapaz fala também da visita que recebeu de Richard Finn (Harry Greenwood) – momento em que este lhe revela que está escrevendo um livro sobre o assassinato. Assim que ouve o apelo desesperado para fazer a coisa certa e livrar um inocente preso e condenado à pena de morte, Freeman se vê na obrigação moral de reabrir o caso e encontrar o verdadeiro criminoso. 

Por estar com a doença que lhe rouba a memória (mal de Alzheimer), Roy Freeman tem sérias dificuldades para relembrar os acontecimentos do caso de 10 anos. Então o ex-detetive se empenha em examinar a caixa com os arquivos e documentos do caso para em seguida sair em busca de seu antigo parceiro (Jimmy Remis), a fim de ouvir da boca e da memória dele todas as minúcias do caso em que ambos estiveram em campo prestando seus serviços.

A trama que compreende o filme “A Teia” foi redigida pelo diretor e roteirista Adam Cooper, em parceria do co-roteirista Bill Collage. Trata-se de uma adaptação do romance policial “The Book of Mirrors” (lançado no Brasil pela editora Record com o título ‘O Livro dos Espelhos’), lançado em 2017, de autoria do economista, ex-jornalista e escritor de ficção (suspense e crime) romeno, E. O. Chirovici.

O roteiro captura a atenção do espectador, em especial a plasticidade com que Russell Crow se sujeita à fisionomia de surpresa e confusão, características expressadas pelo seu personagem em grande parte da trama – mesmo sem lembrar de fato do assassinato brutal do qual ele se encontra envolvido de novo. Às vezes, Freeman se esforça para puxar pela memória alguma imagem do caso reaberto, diante disso Crowe também se garante em sua performance.

Roy Freeman ao terminar de ler o manuscrito de Richard Finn.
Roy Freeman ao terminar de ler o manuscrito do livro de memórias criminais escrito por Richard Finn. Sobre a mesa encontra-se um quebra-cabeça usado para estimular o cérebro e assim manter a mente ativa.

Ao ir contra as dificuldades de memória que a Doença de Alzheimer impõe à vida de Roy Freeman, ele volta praticamente à estaca zero, quando decide revisitar a investigação por conta própria – o que é estranho, já que ele se encontra “aposentado” da polícia. Essa sensação de como se estivesse começando uma investigação do zero, é o mesmo sentimento que eu estava quando assistia “A Teia”, o que induz a não pensar de momento que o nome de Roy Freeman poderia estar entre os possíveis suspeitos do delito, mesmo depois de conhecer todos personagens envolvidos com a vítima.

Ao mesmo tempo que o enredo da produção está pautado em um roteiro aparentemente bem amarrado diante das pontas soltas que surgem em meio a narrativa, há momentos que parecem tão confusos quanto em relação ao estado de saúde mental do personagem principal. O paradoxo parece presente no roteiro, porém o que não o deixa cair em contradição está no fato de que Freeman encontra-se sob um tratamento que pretende aos poucos fazer com que ele recupere partes da memória roubada pelo transtorno neurodegenerativo progressivo. E é o que vai se pintando até o final do filme, quando ele completa o quebra-cabeça.

A investigação empenhada por Freeman vai ao encontro dos principais nomes citados nos documentos reunidos à época do delito. Entre eles está o seu ex-parceiro, interpretado por Flanagan, Jimmy Remis. Este parece sempre se esquivar com desinteresse em aprofundar na conversa sobre a morte do Dr. Joseph Wieder – para ele o caso já está encerrado e o assassino confesso atrás das grades. Porém, o que Remis esconde atrás de suas mentiras, se revelará em um plot twist que deixará os desatentos às pistas surpreendidos.

Um dos momentos que o roteiro embola ainda mais a teia é quando na primeira conversa entre a ex-dupla de detetives Freeman e Remis, o primeiro comenta que na visita feita ao homem preso (Isaac Samuel), o nome Richard Finn foi citado e que nos arquivos consultados consta o registro de que foram encontrados impressões digitais de Finn por toda a casa onde corpo fora encontrado.

Jimmy Remis brinda uma cerveja com seu antigo parceiro, Russell Crowe. Eles conversam sobre os erros do passado e como estão vivendo o presente.
Depois de anos, Roy Freeman se encontra com seu ex-parceiro de trabalho, Jimmy Remis. Freeman fala sobre a conversa com o condenado por assassinato (Isaac Samuel) e sua desconfiança com o desfecho do caso que ambos testemunharam.

Em seguida ao encontro, Freeman recebe das mãos do irmão de Finn um manuscrito intitulado “O Livro dos Espelhos”, um livro de memórias criminais onde ele descreve seu relacionamento com Laura Baines (Karen Gillan) juntamente com as brigas do casal por conta do ciúmes que tinha da relação dela com o seu colega e professor (Wieder) e, por fim, o assassinato.

A partir da leitura do “O Livro dos Espelhos” a trama entra de vez para o gênero onde o mistério se mistura ao thriller policial. Roy Freeman visita as pessoas que têm seus nomes citados nos documentos e no livro de memórias de Finn. Desse momento em diante, mentiras e verdades vão sendo reveladas, paralelas aos trechos de memórias que retornam pouco a pouco ao personagem interpretado pelo grande Russell Crowe.

O elenco sólido colabora para que a história não caia na monotonia. Antes que o tempo do filme ultrapasse a meia hora inicial, pode levar o espectador a se sentir tão sonolento como após o almoço de domingo, ao devorar o Monte Everest. A sonolência sai de cena assim que o personagem de Crowe começa a ler o manuscrito deixado por Finn e os flashbacks começam a ser mais constantes. Nesse momento da leitura, são apresentados os personagens e a capacidade que eles têm de gerar uma certa confusão mental não só do policial aposentado com Alzheimer, mas também em quem assiste.

Ao caminhar para a revelação final, há o momento mais esperado e de maior tensão, logo após Freeman visitar a casa onde Wieder foi brutalmente morto, ele encontra no quintal o local exato em que a arma do crime fora enterrada, ação testemunhada pela ex-aluna e amante da vítima (Laura Baines), que o questiona sobre o taco de baseball flagrado em suas mãos; e por seu ex-colega de profissão, Jimmy Remis. Assim que os três se reúnem no interior da casa, tudo é jogado ao ventilador, inclusive o fato que levou ao assassinato: Diane Lynch (Lynn Gilmartin) – esposa de Freeman – era paciente e também amante do Dr. Joseph Wieder.

Conforme as revelações e lembranças vêm à tona, as peças do quebra-cabeça montado por Freeman se encaixam em seus devidos lugares, até que uma melhora paulatina da memória torna possível a última peça que proporciona a visão total do quadro com o motivo, a maneira e o autor do crime, de fato. As pontas soltas vão se ligando finalmente, conforme os coadjuvantes interagem com o protagonista, assim novos elementos surgem e no final é revelado a todos uma complexa teia de mentiras.

Devo alertar você de antemão que o filme “A Teia” tende a uma pegada característica ao subgênero cinematográfico noir, até em sua estética. A fotografia se utiliza de recursos de iluminação que insere às cenas e aos atores sombras dramáticas. Mesmo com a presença de Russell Crowe no elenco, não espere assistir um filme que lhe cause um aumento da frequência cardíaca, a ação que costuma estar quase sempre presente nos filmes do ator, aqui poucas vezes é lembrada. Todavia, acredito que você não vai desapontar com a história, pois o mistério que há no núcleo é intrigante.

Inté, se Deus quiser!

NOTA: Nota do crítico - 3 estrelas (regular)

 

Trailer

Pôster

Pôster do filme "A Teia" (2024)

Curiosidade sobre A Teia

  • Antes de Russell Crowe ser escalado para o elenco, Mel Gibson e Nicolas Cage foram originalmente considerados para o papel principal;
  • Russell Crowe com Tommy Flanagan após “Gladiador” (2000), 24 anos depois;
  • Russell Crowe supostamente exigiu que o degrau de seu trailer fosse desmontado e substituído por um degrau personalizado para os breves períodos que passaria nele durante as filmagens. A equipe achou extremamente difícil trabalhar com ele;
  • Russell Crowe e Karen Gillan apareceram em “Thor: Amor e Trovão” (2022) como Zeus e Nebula, embora não tenham compartilhado nenhuma cena.

Ficha técnica

Diretor: Adam Cooper.
Roteiro: Adam Cooper, Bill Collage e E.O. Chirovici.
Produtores: Marcus Bolton, J. J. Caruth, Bill Collage, Adam Cooper, Ford Corbett, Jatin Desai, Mark Fasano, Claiton Fernandes, Vladimir Fernandes, Jackie Fletcher, Arianne Fraser, Greg Friedman, Deborah Glover, Matthew Goldberg, Sanjiv Goyal, Joshua Harris, Kanwaldeep Kalsi, Nathan Klingher, Arun Kumar, Noah Lang, Anita Levian, Euzebio Munhoz Jr., Ari Novak, Delphine Perrier, Rupert Preston, Viru Raparthi, Cliff Roberts, Kelly Rogers, Ankur Rungta, Vishal Rungta, Jamal Sannan, Pouya Shahbazian, Michael Sirow, Anthony Standberry, Joey Suquet, Henry Winterstern e Ryan Winterstern.
Diretor de fotografia: Ben Nott.
Editor: Matt Villa.
Design de produção: Penny Southgate.
Figurino: Zed Dragojlovich.
Cabelo e maquiagem: Rachel Chalmers, Helene Glover, Pamela Lucarini, Helen Magelakis, Carmen Moretti, Vicki Morris, Selena Pertzel, Laura Punteri, Sharon Robbins, Larry Van Duynhoven e Andriana Demetrius.
Música: David Hirschfelder.
Elenco: Russell Crowe, Karen Gillan, Marton Csokas, Tommy Flanagan, Thomas M. Wright, Harry Greenwood, Pacharo Mzembe, Lynn Gilmartin, Paula Arundell, Elizabeth Blackmore, Kelly Greyson, Arthur Angel, Adam T Perkins, Ming-Zhu Hii, Simon Maiden, Jasper Bagg, Jane Harber, Cessalee Stovall, Cameron Leonard, Lucy-Rose Leonard, Liz Iacuzzi, Ryan O’Grady, Siros Niaros, Nathan Hill, Zara Michales e Frank Nappo.

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