O que se vê no documentário “Milli Vanilli: O Maior Escândalo do Mundo da Música” (do produtor e diretor Luke Korem) é o efeito colateral avassalador e imediato causado pela reação da mídia – acrescida pela revolta dos fãs -, frente a revelação da fraude em que o duo pop formado por Fab Morvan e Rob Pilatus era cúmplice e ao mesmo tempo protagonista.
Infelizmente, essa descoberta bombástica desencadeou a derrocada profissional e pessoal dos artistas que se aliaram às pessoas da indústria nada ortodoxa frente aos princípios profissionais. Além do desmoronamento da carreira profissional, a vida pessoal dos garotos também ficou com uma mancha enorme, sendo Robert “Rob” Pilatus a representação trágica desse ocorrido.
Assistir aos depoimentos do próprio Fabrice “Fab” Morvan e das pessoas que testemunharam, e até participaram do caso, realmente, é uma experiência amarga – e até de vergonha alheia – frente ao que na época do sucesso de Milli Vanilli se via como dois garotos de talento genuíno para a música.
Quando tudo aquilo que se ouviu e viu foi revelado para o mundo uma verdadeira mentira frente a imagem de dois jovens modelos e dançarinos de estilo arrojado, a desgraça estava lançada sobre a carreira deles – o que acabou se tornando a antítese do sucesso -, mais triste ainda, quando o fim do duo Milli Vanilli passou a ser também o motivo para uma tragédia – definitiva para o mais velho da dupla.
O responsável por confessar e revelar tudo para a mídia em uma entrevista coletiva, foi o próprio produtor musical Frank Farian. Ele admitiu frente às câmeras, em alto e bom som, que orquestrou todo o escândalo e que a dupla Milli Vanilli fazia somente playbacks de suas músicas – uma vez que as vozes originais eram dos cantores Charles Shaw, John Davis e Brad Howell; além das irmãs gêmeas Jodie Rocco e Linda Rocco.

Este documentário “Milli Vanilli: O Maior Escândalo do Mundo da Música” demonstra mais uma vez para o público, como a indústria do entretenimento e seus homens de negócios são muitas vezes sedentos em criar e montar sucessos instantâneos disfarçados de originalidade – o que em muitos casos acabam se prejudicando, além da possibilidade de acabar com a carreira do artista que aceitou entrar no esquema, ao mesmo tempo que frustra toda a expectativa dos fãs quanto a imagem construída do ídolo até então.
Muitos desses inocentes talentos são seduzidos pelo dinheiro e pela fama. Iludidos com essas propostas, esses artistas caem em um esquema de falsidade onde acabam aceitando devido a facilidade para o sucesso e a fama, porém, sem pensar que isso tudo tem vida curta e um final, na maioria das vezes, devastador, tanto para o lado profissional quanto para o lado pessoal, sem citar na ira que irá provocar nos fãs.
Anterior a este documentário “Milli Vanilli: O Maior Escândalo do Mundo da Música”, eu já tinha ouvido e lido alguns conteúdos sobre a farsa por trás do duo pop formado pelos performáticos Fabrice Morvan (Fab) e Robert Pilatus (Rob). Depois de assistir, fiquei mais por dentro do caso que abalou as estruturas do mundo fonográfico da época.
Ao trazer essa história ao mundo contemporâneo da música, percebe-se uma certa ironia: uma vez que o playback praticado por Milli Vanilli lá no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, hoje em dia, é algo que muitos artistas utilizam durante seus shows “ao vivo”. Entretanto, a diferença de hoje para o passado é que a maioria das pessoas, entre elas fãs e contratantes, já sabem que o recurso faz parte do repertório a ser apresentado no palco.
Aliás, atualmente o “playback ao vivo” tem o acréscimo de se utilizar de um recurso chamado VS (Virtual Sound), que nada mais é do que um arquivo de áudio onde nele contém bases pré-gravadas de instrumentos utilizados pela banda – assim, os músicos garantem a padronização musical do show. Ao meu ver, não vejo problema em utilizar um recurso tecnológico para dar mais qualidade ao show, porém qualquer artifício se torna um problema quando seu uso é demasiado, além de colocar em xeque a competência profissional do artista – assim caberia a expressão popular “comprar gato por lebre”.
Desde o início do documentário, fica fácil presumir o futuro catastrófico que iria ocorrer com todos os envolvidos no projeto de dance music Milli Vanilli, principalmente no lado mais fraco – e vamos dizer, até certo ponto, “inocente” da história – dos amigos/irmãos Morvan e Pilatus, uma vez que o teto de vidro estava sobre suas cabeças e seria quebrado assim que a primeira pedra fosse lançada contra eles. E foi o que aconteceu.

Para um artista que faz uso de playback, não há apunhalada mais vergonhosa do que ser traído na “hora H”, principalmente diante de uma multidão extasiada, que está ali depois de pagarem um absurdo para ver (de longe) o seu ídolo ao vivo e a cores (na maior parte do tempo através de um telão, devido à distância). Situação essa vivida pelos garotos do Milli Vanilli e mostradas neste documentário com imagens reais e constrangedoras.
Este filme documental é um arquivo relevante sobre como a indústria do entretenimento cria um produto falso que alimenta de ilusão artistas que servem como “boi de piranha” para que poucos lucrem com o retorno financeiro de um sucesso plástico, do qual o seu processo de derretimento se inicia assim que sentem o calor do público e dos fãs – logo tudo se desfaz como pó na tempestade.
Um fato mortalmente triste – acarretado pelo sadismo da mídia assim que tomou conhecimento da fraude em torno dos dois jovens artistas – veio a iniciar a derrocada na vida do mais velho, Rob Pilatus. Após toda a crítica avassaladora da mídia e dos ex-fãs e a tentativa frustrada de retornar aos palcos, levou a separação definitiva da dupla. Porém, Pilatus seguiu uma rota de caos e destruição, rumo a um destino trágico: ele passou meses na prisão por diversos delitos e ainda tentou por um tempo se recuperar das drogas em uma clínica de reabilitação. No entanto, e infelizmente, o destino trágico se deu no dia 2 de abril, de 1998, aos 32 anos. Não se sabe desde então se a overdose mortal foi acidental ou proposital (provável suicídio).
Seria até hipocrisia, hoje em dia, julgar todos os envolvidos do caso Milli Vanilli frente aos montes de “artistas” estrelados no hype das mídias sociais, adquirindo milhões de visualizações e um instantâneo sucesso comercial sob as dancinhas e dublagens esdrúxulas. Ao meu ver, esse cenário das redes sociais – como exemplo principal o TikTok – seria o palco principal onde Milli Vanilli reinaria sem se preocupar com o playback.
Ao contrário da tragédia para qual rumou a vida do seu ex-parceiro de Milli Vanilli frente ao escândalo, Fab Morvan seguiu em frente vivendo a sua vida de uma maneira mais pacata. Consciente de que precisava melhorar como músico, Fab foi buscar aprimorar os seus talentos musicais. Durante sua caminhada para se reconstruir, chegou a trabalhar como DJ em uma rádio de renome, apresentou em festivais, participou de documentário, saiu em turnê e lançou o seu primeiro álbum solo intitulado “Love Revolution”.
Durante o documentário, Fab narra a sua versão da história com um misto de sentimentos – as lembranças positivas sobre tudo o que passou sob a marca Milli Vanilli o fez tirar alguns sorrisos, em outras horas ele se fecha em uma expressão séria ao recordar dos erros – há em cena uma certa melancolia em sua face. Esquecer jamais será uma opção, entretanto, este filme nos apresenta um Fab Morvan maduro, que aprendeu a conviver com essa mancha irreversível em seu legado. Hoje ele é um pai de família, vive em Amsterdã e segue persistindo em sua carreira musical, agora longe do sucesso de antes.
Inté, se Deus quiser!
NOTA: 
Trailer:
Pôster:
Ficha técnica
Diretor: Luke Korem.
Produtores: Hanif Abdurraqib, Quirin Berg, Tara Bradley, Rafael Britto, Amit Dey, Bradley Jackson, Luke Korem, Andrea Longueira, Kim Marlowe, Alexandre Martin, Lauren Ospala, Marissa Paiva, Ali Reed, Lillian Schwartz, Jon Michael Simpson, Simon Verhoeven e Kirstin Winkler.
Diretor de fotografia: Gabriel Patay.
Editor: Patrick Berry.
Direção de arte: Zane Stein e Iris Wenzel.
Figurino: Mary Jo Katsigenis e Claire Jane Vranian.
Cabelo e maquiagem: Jill Geeb, Mary Giacopelli, Maha e Rhonda Resnick.
Música: Mondo Boys.
Elenco: Rob Pilatus, Fabrice Morvan, Carmen Pilatus, Frank Farian, Rob Sheffield, Gil Kaufman, Toby Gad, Ingrid Segieth, Brad Howell, Charles Shaw, Linda Rocco, Jodie Rocco, Thomas Stein, Downtown Julie Brown Timbaland, Stephen Hill, John Davis, Hanif Abdurraqib, Ken Levy, Mitchell Cohen, Diane Warren, Richard Sweret, Todd Headlee, Keith Yoni, Tom Gordon, Tessa Van Der Steen; Neneh Cherry, Clive Davis, De La Soul, Rob & Fab, Bobby Farrell, Sandy Gallin, Michael Greene, Arsenio Hall, Whitney Houston, Indigo Girls, Michael Jackson, Billy Joel, Mick Jones, Sandy Kenyon, Tone Loc, Tone Loc, Boney M., Barry Manilow, Paul McCartney, Milli Vanilli, Ozzy Osbourne, Dolly Parton, Sinbad Soul II Soul, David Stalder, Laurin Sydney e The Real Milli Vanilli.