Resenha do Filme Fátima: A História de um Milagre (2020, Marco Pontecorvo)

O filme “Fátima: A História de um Milagre”, do diretor italiano Marco Pontecorvo, nos atualiza cinematograficamente os dias (13 de maio até 13 de outubro de 1917) em que Os Três Pastorinhos tiveram suas vidas transformadas pela intercessão da Virgem Maria e munidos de fé e humildade testemunharam em 1916 a presença do Anjo de Portugal. Já no decorrer de 1917, seus corações se encheram de júbilo com as aparições de Fátima.


Por mais que muitas pessoas tenham conhecimento sobre uma das aparições marianas mais populares do planeta, ou porventura ter assistido algumas das produções que retratam esse fato histórico e cheio de graça divina – cito aqui a produção de 1952, “O Milagre de Fátima”, direção do alemão John Brahm -, assistir a história de fé dos três pastorinhos frente às mensagens e aos segredos de Fátima revelados a eles, vai lhe mostrar uma parcela do drama vivido pelos primos.

As três crianças escaladas para resgatar os pastorinhos às telas estão desde os primeiros minutos da história mergulhadas no carisma: Stephanie Gil (Lúcia dos Santos), Jorge Lamelas (Francisco Marto) e Alejandra Howard (Jacinta Marto). Os pequenos têm consciência do tamanho de seus respectivos personagens para a história retratada nesta grande produção do cinema católico e por isso conseguem conduzir seus personagens da vida real com tanta simplicidade.

Os elogios se repetem quando me debruço para analisar a interpretação da jovem atriz Joana Ribeiro sob o manto de Nossa Senhora de Fátima (ou de Nossa Senhora do Rosário). A portuguesa demonstra firmeza diante de um papel de imensurável relevância para a história e para aqueles que a prestam o “culto de hiperdulia” (do grego: hyper, acima de; douleuo, honra) – adoração a Deus por meio da Virgem Maria que encontra-se em posição elevada aos anjos, mas sem alcançar o limite, a latria (do grego: ‘latreuo’), a adoração a Deus que se revelou a nós na Santíssima Trindade.

Todo o drama sofrido e suportado pelas três crianças demonstra a verdadeira devoção pela Virgem Maria e a fé que tinham, mesmo com pouca idade e diante das dificuldades enfrentadas à época. A desconfiança diante do testemunho das crianças foi também um momento delicado para elas e para a família, uma vez que naquela época tudo relacionado à religião era malvisto por muitos, principalmente pelo prefeito Arturo (Goran Visnjic), responsável pelo clima de tensão que se criou a partir de então.

Irmã Lúcia (Sônia Braga) conversa com o professor Nichols (Harvey Keitel) sobre o que ela e seus primos (Francisco e Jacinta) testemunharam em 1917.
Na clausura, no ano de 1989, Irmã Lúcia (Sônia Braga) recebe o professor Nichols (Harvey Keitel) para uma conversa/entrevista, em paralelo é narrado flashbacks de 1917, ano em que ela e seus primos (Francisco e Jacinta) testemunharam as aparições da Virgem Maria.

A participação da atriz brasileira Sonia Braga ao interpretar a Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado (já mais velha e vivendo em clausura) eleva ainda mais a qualidade da produção. Devido a maquiagem e ao hábito religioso sob a qual ela se encontra, quase não se percebe que se trata de Sonia Braga em cena – confesso que o seu nome nos créditos ajudou na identificação. Parabéns às equipes responsáveis pelos trabalhos de maquiagem e figurino, sem esquecer de mencionar a notável cinematografia assinada por Vincenzo Carpineta.

Um dos personagens mais incisivos contra os testemunhos e as aparições da Virgem Maria é Arturo, o presidente da Câmara do concelho de Ourém (prefeito/administrador), republicano anticlerical e maçom que defende ideias progressistas – ao mesmo tempo esbraveja ser essa ideia que irá libertar o país do passado feudal instituído pela ignorância e pelas superstições religiosas. Sua posição contra qualquer manifestação de fé religiosa é imposta sob forte repreensão contra quem ousar balbuciar uma oração sequer.

À época, vivia-se um contexto histórico de perseguição e opressão à Igreja Católica e aos católicos que praticavam a fé da qual foram batizados. Intolerância religiosa praticada com mãos de ferro por parte de governos totalitários, disfarçados com fantasias de liberdade, entre eles o governo republicano português, que proibia a manifestação da fé católica em público. 

Mesmo com as aparições constantes, as visões e os milagres de curas sendo espalhados entre as pessoas de toda a cidade, o prefeito persistia em sua posição irredutível de achar as intercessões de Nossa Senhora uma grande bobagem supersticiosa. Diante do fato da Divina Providência estar se espalhando por todos os cantos, o prefeito insiste com o seu capitão para encontrar uma maneira de impedir que o rumor continue se dissipando.

Um dos absurdos cometidos pelo prefeito Arturo é mandar os seus homens expulsar os fiéis para fora da igreja e assim fechá-la por tempo indeterminado, até que se “restaure a ordem”, imposição questionada pelo padre Ferreira (Joaquim de Almeida). Nessa entoada contra a fé e a religião Católica, o monsenhor Quaresma (João D’Ávila) vai até a casa da família de Lúcia e praticamente a coloca contra a parede, em companhia de seus primos, Francisco e Jacinta. Os três pastorinhos são duramente questionados quanto às aparições e aos segredos revelados pela Santa Virgem a eles, uma tentativa frustrada de fazê-los desmentir a realidade que tiveram testemunhados.

Um dos muitos momentos de comoção diante da fé dos pastorinhos, acontece logo após o monsenhor deixar a casa da família. Após uma segunda investida do monsenhor para tirar uma inverdade da boca de Lúcia quanto ao que ela e seus primos presenciaram, uma multidão esperava as três crianças do lado de fora da casa para pedir a elas orações. Assim que Lúcia, Jacinta e Francisco saem porta a fora, o trio se ajoelha frente às pessoas e iniciam a oração da “Ave Maria”, gesto simultaneamente seguido com afinco por toda a multidão.

Os momentos que antecedem a mais uma aparição de Nossa Senhora provocam olhares de muita tensão devido ao aprisionamento das crianças pelo próprio prefeito, para que ele mesmo – de modo desesperador e covardemente munido de falas capciosas em meio ao interrogatório – tente pela última vez tirar das crianças uma confissão desmentindo tudo o que elas vivenciaram até então, diante da presença de Maria, mãe de Jesus.

A Virgem Maria diz a Lúcia que um dia irá voltar por ela e que nunca a deixará desamparada.
A Virgem Maria anuncia aos três pastorinhos que Francisco e Jacinta logo se juntarão a ela no céu, mas que Lúcia terá que ficar, uma vez que ela foi a escolhida por Jesus para ser a mensagem da fé, no Coração Imaculado de Maria.

Em paralelo a tensão, cresce também a demonstração de fé por parte da população diante da opressão que os três pastorinhos de Fátima estavam sofrendo por seus testemunhos  referentes às aparições de Maria. A emoção unida à fé põem-se à frente da comoção popular mais uma vez, quando defronte do local onde as três crianças se encontram presas, uma multidão de fiéis prostra-se de joelhos ao chão e rezam a oração da “Ave Maria”.

Além dos familiares e do padre Ferreira, todos são surpreendidos pela visita inesperada da senhora Adelina (Iris Cayatte), esposa do prefeito Arturo. Após ir cumprimentar os pais das crianças, ela vai ter mais uma vez outra conversa com o seu esposo e pede para que ele solte as crianças. Ela então retorna para a rua e num gesto de humildade e compaixão pede desculpas para os pais. Após a negativa do médico quanto a justificar uma hospitalização forçada das crianças – uma vez que não diagnosticou nelas qualquer patologia, seja física ou mental -, Lúcia, Francisco e Jacinta saem da prisão e correm para abraçar os pais e as mães.

O que vem a seguir são cenas de fazer chover lágrimas dos olhos: a primeira é a demonstração de fé inabalável da pequena Lúcia, diante da enfermidade de sua mãe, a menina sai correndo de sua casa em direção ao local das aparições. Ao chegar no destino, de joelhos dobrados e com o terço na mão, ela se arrasta em oração pela cura da mãe e pelo retorno com vida do irmão Manuel Santos (João Arrais) que encontrava-se na guerra, até então, desaparecido em combate. Assim que o sol se põe, Lúcia ainda se encontra rezando de joelhos, quando o pai António dos Santos (Marco D’Almeida) chega até ela e diz que está na hora de retornar para casa. No momento em que pai e filha chegam à casa, a mãe Maria Rosa (Lúcia Moniz) está com o rosto coberto de lágrimas e sorrindo aliviada após ler a carta escrita pelo capelão militar dizendo que o filho está vivo.

No dia 19 de Agosto de 1917, Nossa Senhora falou para Lúcia que no último mês (13 de Outubro) faria um milagre para que todos acreditassem. A cena que encerra o filme “Fátima: A História de um Milagre” é sem medo de errar a mais aguardada por todos os espectadores e sua representação cinematográfica é um espetáculo carregado de sequências que provocam impacto emocional profundo: “O Milagre do Sol”, manifestação milagrosa da Virgem Maria que teve como palco o céu da Cova da Iria, na cidade e freguesia de Fátima, em Portugal.

Lúcia e a Virgem Maria se olham após dezenas de milhares de pessoas testemunharem o "Milagre do Sol".
Após Nossa Senhora realizar o “Milagre do Sol” diante de uma multidão, ela e Lúcia se olham e após mandar a criança seguir em frente, então a Virgem Maria se eleva novamente para o céu.

Na cena que antecede “O Milagre do Sol”, a Virgem Maria se apresenta aos três pastorinhos com o título de Senhora do Rosário e promete guiá-los até o seu Filho pela via da paz e do amor. Em seguida ela pede por meio das crianças que todos parem de insultar o Senhor e que rezem o rosário todos os dias. Por último, Maria anuncia que o fim da Grande Guerra está próximo.

Ambos os olhares de Lúcia e da Virgem Maria ao se encararem demonstram um mútuo sentimento de amor puro entre mãe e filha e vice-versa. O sorriso no rosto de cada pastorinho contempla a ascensão de Maria, ao mesmo tempo que seus olhos alegres a acompanham pelo céu, resolutos no propósito de vida que lhes foram confiados. Um momento que traduz o quanto a fé preenche o coração de esperança, nos ajuda a enxergar o sentido real da vida, enquanto a alma se eleva para Deus por meio da oração silenciosa elevada pela intercessão de Maria, Mãe do Filho Eterno de Deus feito homem, que é ele mesmo Deus.

Antes de finalizar esta minha resenha crítica, vale a menção da trilha sonora de Paolo Buonvino e Jonas Myrin, uma vez que nela se ouve a música “Gratia Plena”, interpretada pelo tenor italiano e católico Andrea Bocelli. Antes mesmo do filme “Fátima: A História de um Milagre” ser lançado, o trailer apresentou trechos da canção principal em meio às cenas emocionantes – combinação capaz de inflamar qualquer coração de expectativa quanto ao lançamento. Confesso que minha espera em ouvir “Gratia Plena” cantada foi em certo ponto frustrada, ao meu ver erraram no tempo e não aproveitaram a potência da canção de Bocelli se colocada como trilha na tão aguardada cena em que dá início o “Milagre do Sol”.  

Apesar deste ponto falho na inserção da canção, nada ofusca o brilho e encanto de Maria, pois suas mensagens, milagres e a escolha d’Os Pastorinhos de Fátima como testemunhas oculares demonstram o amor materno por seus filhos como ela também dedica a amar você e este que este texto escreveu. Não importa o tempo em que se assiste a esta atualização cinematográfica de 2020, pois devemos pedir a iluminação do Espírito Santo sobre o nosso entendimento para que um dia possamos interpretar, vivenciar e praticar a mensagem atemporal deixada por Nossa Senhora de Fátima.

Inté, Virgem Maria, se Deus quiser!

NOTA: Nota do crítico: 4 estrelas (ótimo)

 

Assista ao clipe da canção “Gratia Plena”, de Andrea Bocelli:

Trailer

Pôster

Pôster do filme "Fátima: A História de um Milagre" (2020).

Curiosidade sobre Fátima: A História de um Milagre

  • O filme apresenta a música original “Gratia Plena”, interpretada por Andrea Bocelli e composta pelo renomado compositor italiano Paolo Buonvino;
  • O filme é baseado nas aparições da Virgem Maria a três pastorinhos em Fátima, Portugal;
  • Joaquim de Almeida e João D’Ávila voltam a reunir-se depois de atuarem juntos no telefilme Fátima, de 1997, também baseado em acontecimentos históricos de três jovens pastores em Fátima, Portugal.

Ficha técnica

Diretor: Marco Pontecorvo.
Roteiro: Marco Pontecorvo, Valerio D’Annunzio e Barbara Nicolosi.
Produtores: Jake Alden-Falconer, John H. Brister, Stefano Buono, Holly Carney, Giuseppe Cioccarelli, Pedro Coelho, Gerardo Fernandes, Edoardo Ferretti, David E. Fischer, Gabrielle Fleck, Rose Ganguzza, Natasha Howes, Ute Leonhardt, Maribel Lopera Sierra, Richard I. Lyles, Matthew J. Malek, Nuno Martins, David Nicksic, Sofia Noronha, Marco Pontecorvo, Marco Valerio Pugini, Frida Torresblanco e James T. Volk.
Diretor de fotografia: Vincenzo Carpineta.
Editor: Alessio Doglione.
Direção de arte: Silvia Colafranceschi e Augusto Mayer.
Figurino: Daniela Ciancio.
Cabelo e maquiagem: Rute Alves, Natália Bogalho, Cátia Bolota, Manuela Calçada, Lola Carvalho, Fátima Chaves, Marta Chaves, Maria de Fátima Dias, Eduardo Estevam, Ana Ferreira, Celeste Ferreira, Dulce Filipe, Patrícia Gaspar, Cristina Inácio, Carlos Leal, Sónia Lisboa, Ana Lorena, Márcia Lourenço, Sónia Luz, Iracema Machado, Marta Martins, Sandra Meleiro, Maurizio Nardi, Iris Peleira, Sandra Pinto, Sofia Queirós, Otília Rodrigues, Manuela Tapadas, Tessdias e Fátima Vieira.
Música: Paolo Buonvino.
Elenco: Joaquim de Almeida, Goran Visnjic, Stephanie Gil, Alejandra Howard, Jorge Lamelas, Lúcia Moniz, Marco D’Almeida, Joana Ribeiro, Carla Chambel, Elmano Sancho, João D’Ávila, Iris Cayatte, João Arrais, Simão Cayatte, Sonia Braga, Harvey Keitel, Ivo Alexandre, Filipa Areosa, João Clara Bandeira, Alba Baptista, Enrique Beján, Zé Bernardino, Margarida Cardeal, Joana Cavaco, Figueira Cid, Maria d’Aires, Gonçalo Diniz, Victor Emanuel, Gabrielle Fleck, Hugo Franco, Eduardo Frazão, Laura Frederico, Paula Garcia, Lourenço Henriques, Ivone Fernandes-Jesus, Alexandra Leite, João Lobo, Maribel Lopera Sierra, André Mendes, Beatriz Mendes, Catarina Mira, Tobias Monteiro, Ana Moreira, Manuel Moreira, Luisa Ortigoso, Ângela Pinto, João Maria Pinto, Fernando Rodrigues, Isabel Ruth, Carmen Santos, Carla Bolito e José Eduardo, Sofia Espírito Santo, Paula Luiz, Augusto Portela, Luísa Cruz, Filomena Gonçalves, Filipa Leão, Rita Martins, Joana Pais de Brito, Eva Tecedeiro, Dinarte de Freitas, Tomás Andrade, Manuel Encarnação, Madalena Aragão, Maria Marques, Fábio Carreira, João Harrington Sena, Miguel Frazão, Miguel Serra da Silva, Bruno Salgueiro, David Mendes e Ljubica Ostojic.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima