Filme "Nada de Novo no Front" (2022), diretor Edward Berger

Resenha do Filme Nada de Novo no Front (2022, Edward Berger)

Não espere assistir a um filme de guerra qualquer, carregado com todo o arsenal de praxe que o gênero está habituado a entregar, todavia aguarde e prepare o seu psicológico, e também o estômago, para assistir a uma produção épica, sem maquiar as mazelas que uma guerra mundial é capaz de marcar tanto na carne como na alma do ser humano.


O filme “Nada de Novo no Front” (Im Westen nichts Neues, 2022) é um filme de guerra alemão lançado pela Netflix, sua história é inspirada na obra literária homônima do escritor alemão Erich Maria Remarque – este era o nome fictício de Erich Paul Remark -, alemão de família católica que aos 18 anos esteve presente nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial.

A história épica anti-guerra, baseada em fatos reais, segue o jovem soldado Paul Bäumer (Felix Kammerer) em companhia de seus amigos de escola Franz Müller (Moritz Klaus), Albert Kropp (Aaron Hilmer) e Ludwig Behm (Adrian Grünewald) se alistando voluntariamente no exército alemão. Todo o entusiasmo dos adolescentes, diante do fervor do discurso patriótico do alto comendo, cai sobre terra – ou seria sobre lama e sangue? – no momento em que estão diante da brutalidade impiedosa enfrentada no front de batalha. Encurralados pelas derrotas e há poucos minutos para o armistício, Paul Bäumer e todos os soldados são obrigados a uma última ofensiva para satisfazer o desejo do alto escalão: a vitória em uma última batalha.

Já de início o diretor alemão Edward Berger nos mostra uma mãe lobo amamentando seus filhotes e em seguida a câmera flutua sobre um campo aberto destruído pela batalha entre franceses e alemães, estes encontram-se massacrados sobre a lama fria, enquanto alguns tentam desesperadamente alguma resistência contra a artilharia mortal do exercito francês. Enquanto na Alemanha, Paul Bäumer é convencido de última hora pelos seus amigos a falsificar a assinatura dos pais para no documento de alistamento para o exército.

Paul Bäumer e seus amigos assinando o formulário para o alistamento.
Paul Bäumer é convencido pelos amigos a assinar o formulário de alistamento para o front de batalha.

Edward Berger constrói a sua versão de “Nada de Novo no Front” (a terceira desde então) de maneira a torturar-nos logo no início, após as cenas de terror onde vários soldados alemães são mortos violentamente, o fardamento das vítimas são reformados e reutilizados pelos jovens recrutas. Neste momento, assim que Paul recebe a sua farda, inocentemente ele volta para o oficial responsável pela entrega das vestimentas e diz que há o nome de outra pessoa escrita em uma etiqueta; em seguida o oficial inventa uma desculpa, destaca a etiqueta com o nome, entrega a roupa de novo ao pobre recruta e descarta a identificação junto a outras tantas identificações de soldados mostos em campo de batalha.

Adiante da cena descrita acima, após a nuvem de fumaça dissipar de fronte dos olhos inocentes de Paul e seus camaradas, os jovens passam do entusiasmo de honrar o país no front da guerra, para o espanto carregado de medo sob o estridente som de disparos, bombas, gemidos e da onipresença da morte a espreita de um mero vacilo.

Ao longo da guerra em que estão combatendo, é mais que óbvio que para lidar com a morte precisa ser esperto é necessário, na guerra é matar ou morrer, muitos que lutam para sobreviver passam por momentos do qual o simples pensar pode ser o tempo mortal para o inimigo lançar uma bomba, apertar o gatilho ou furar com a ponta da baioneta. Aliás, esta última arma se faz crucial no momento final do filme.

Gosto da forma como a fotografia compõe a captação da câmera dirigida por Edward Berger, tanto em plano aberto, quando os diversos planos fechados, onde quase enxergamos a alma do personagem no enquadramento, os closes evidenciam cada detalhe dos vários sentimentos traduzidos na expressão facial de cada personagem.

Regimento na trincheira em posição de tiro.
Regimento alemão posicionado na trincheira em posição de tiro se prepara para o ataque.

A trilha sonora pulsa em meio a atmosfera crescente de tensão, só de escutar as espaçadas notas tocadas, o clima de terror eminente já nos prepara para uma sequência inesperada carregada de tensão e um certo medo do que virá. A captação do som é emitida de maneira a parecer orgânica frente a qualidade técnica. 

O olhar do diretor Edward Berger é de uma frieza digna de um alemão, gosto da maneira em que ele conta a história, sua comunicação visual é clara e objetiva, sem rodeios, ele nos mostra todo o terror que uma guerra resulta ao longo da vitória ou da derrota de um dos lados. Além da violência explícita, da morte nua e crua, as consequências são inúmeras no campo de batalha e fora dele, as horrorosas lembranças perduram psicologicamente pela vida terrena.

Há uma cena em “Nada de Novo no Front” um tanto quanto paradoxal, a violenta luta entre o protagonista e seu oponente, o soldado francês Gérard Duval (Marek Simberský). É visto nesta batalha “mano a mano” o lado humano agindo através da compaixão pelo inimigo a agonizar; mesmo em uma luta pela sobrevivência a consciência moral persiste em sobrepor.

Já na cena que encaminha para o final da trágica história, o instinto humano não resiste ao instinto animal, o último fôlego obrigatório é uma corrida para o precipício, despertado através de um discurso demagogo, vindo de um verdadeiro covarde, o General Friedrichs (Devid Striesow), um soberbo protegido pela sua alta patente hierárquica, sob o ar da sua impiedosa prepotência.

Paul Bäumer com expressão fechada empunha seu fuzil equipado com uma baioneta frente ao campo inimigo.
Com a expressão nada amigável, Paul Bäumer empunha seu fuzil com baioneta e se prepara para a última ofensiva.

Nada de Novo no Front” é um filme épico notório e diferencia em vários pontos de muitos longas que retratam a Primeira Guerra Mundial. Na minha visão a produção alemã mostra verdadeiros monstros disfarçados de seres humanos, eles só querem elevar o status quo, serem os senhores da guerra; para isso eles cospem discursos inflamados, disfarçados na honra em defender a pátria até as últimas consequências, uma estratégia covarde para ludibriar jovens, na maioria das vezes inocentes e com muita disposição física, mas nenhum preparo psicológico (se há um preparo psicológico para enfrentar encarar uma guerra).

O resultado é nítido e parte dele condiz na frase destacada abaixo e assim encerro mais uma resenha crítica:

“A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam” (a frase costuma ser creditada ao piloto alemão Erich Hartmann).

NOTA: Nota do crítico: 4 estrelas (ótimo)

 

Trailer

Pôster

 Pôster do filme "Nada de Novo no Front" (2022)

Curiosidades sobre Nada de Novo no Front

  • O livro de Erich Maria Remarque foi inspirado em suas próprias experiências como soldado alemão na Primeira Guerra Mundial. Embora Remarque nunca tenha lutado nas trincheiras, o romance é notável por sua descrição realista dos horrores da batalha e dos problemas que os soldados enfrentam durante e até mesmo após os combates;
  • Esta é a terceira versão desta história, também é considerado o filme alemão mais caro da história da Netflix. As outras duas são a renomada versão ganhadora do Oscar de “Melhor Filme”, “Sem Novidade no Front” (1930), de Lewis Milestone, e a versão menos conhecida de Delbert Mann, “Adeus à Inocência” (1979);
  • O diretor usou uma área militar e um campo de aviação ao norte de Praga para filmar o campo de batalha. Era um enorme campo de lama, do tamanho de 10 campos de futebol;
  • Os tanques franceses mostrados são Saint-Chamonds. Entre 350 e 400 foram produzidos entre abril de 1917 e julho de 1918. O Saint-Chamond pesava 23 toneladas, tinha uma velocidade máxima teórica de 7,5 mph (quase nunca alcançada em ação) e estava armado com um canhão pesado de 75 mm. Ele não era muito apreciado por seus operadores por causa de sua baixa capacidade de atravessar trincheiras e porque seu nariz pesado frequentemente o fazia atolar. No final da guerra, ele havia sido praticamente extinto, sendo substituído pelo Renault FT. Um Saint-Chamond sobrevivente está em um museu na França;
  • Inscrição oficial da Alemanha para a categoria “Melhor Longa-Metragem Internacional” do 95º Oscar em 2023;
  • Felix Kammerer, para adequar seu corpo ao papel, teve que vestir um colete de 10kg e correr 10 km com ele todos os dias durante meses;
  • Este filme não está tecnicamente posicionado como um remake de um filme antigo, mas uma readaptação de um livro. Ian Stokell e Lesley Paterson escreveram o roteiro baseado no romance de 1928 de Erich Maria Remarque;
  • Os escritores Lesley Paterson e Ian Stokell levaram 16 anos para fazer este filme. Eles adquiriram uma opção sobre os direitos cinematográficos do livro em 2006 e lutaram para fazê-lo, mas também para encontrar dinheiro para renovar a opção. Em uma jogada desesperada, Paterson participou dos triatlos XTERRA em 2011 para tentar obter o prêmio principal de US$ 20 mil e ganhou, o que lhe permitiu renovar a opção, que custava entre US$ 10 mil e US$ 15 mil por ano. Ao longo dos anos, ela conseguiu financiar as renovações da opção vencendo cinco campeonatos mundiais de triatlo. Paterson e Stokell estimam que gastaram cerca de US$ 200 mil em 16 anos para manter a opção;
  • Estreia de Felix Kammerer no cinema;
  • O diretor Edward Berger escolheu Marek Svitek para treinar a equipe de atores nos confrontos e nas cenas de tiro. Eles estavam treinando em uma simulação militar usando armas de fogo reais;
  • Ganhou quatro Oscars, empatando com “Fanny e Alexander” (1982), “O Tigre e o Dragão” (2000) e “Parasita” (2019) como o maior filme em língua não inglesa;
  • Um dos locais das trincheiras ocupava um espaço de 1 quilômetro de comprimento e 600 metros de largura;
  • Este filme estava em andamento há vários anos. Mimi Leder e Roger Donaldson foram originalmente contratados para dirigir o roteiro de Ian Stokell e Lesley Paterson;
  • Uma casa de fazenda abandonada nos arredores de Praga foi o ponto de partida para o hospital de campanha da Primeira Guerra Mundial, que mostrou a destruição no interior do país além dos campos de batalha. O designer de produção Christian M. Goldbeck explica: “Partes das paredes que você vê ao fundo foram construídas e pintadas por nossos maravilhosos pintores de cenários”. (Esta é uma foto do set; na pós-produção, a equipe de efeitos visuais removeu o fundo atrás da estrutura e acrescentou mais destruição para completar o visual);
  • Esse é o quarto filme indicado ao Oscar de “Melhor Filme” que não tem personagens ou diálogos femininos, depois de “12 Homens e uma Sentença” (1957), “Lawrence da Arábia” (1962) e “Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo” (2003). Apenas “Lawrence da Arábia” foi premiado;
  • A fotografia principal começou em 9 de março de 2021 em Praga, na República Tcheca;
  • Esta é a sexta vez que múltiplas adaptações da mesma obra literária foram indicadas ao Oscar de “Melhor Filme”, já que “Sem Novidade no Front” (1930) também foi indicado (e ganhou). Os cinco primeiros são:
  1. “O Grande Motim” (1935) e “O Grande Motim” (1962) (a versão de 1935 venceu);
  2. “Pigmalião” (1938) e “Minha Bela Dama” (1964) (a versão de 1964 venceu);
  3. “Romeu e Julieta” (1936) e “Romeu e Julieta” (1968) (nenhuma das versões venceu);
  4. “Os Miseráveis” (1935) e “Os Miseráveis” (2012) (nenhuma das versões venceu);
  5. “As Quatro Irmãs” (1933) e “Adoráveis Mulheres” (2019) (nenhuma das versões venceu);
  • Travis Fimmel ia interpretar Stanislaus Katczinsky quando Roger Donaldson foi contratado para dirigir o filme;
  • Este é o oitavo filme da Netflix indicado ao Oscar de “Melhor Filme”, depois de “Roma” (2018), “O Irlandês” (2019), “História de um Casamento” (2019), “Mank” (2020), “Os 7 de Chicago” (2020), “Não Olhe para Cima” (2021) e “Ataque dos Cães” (2021). Nenhum desses filmes ganhou;
  • Ganhou quatro Oscars, mais do que qualquer filme exclusivo de streaming. Os recordistas anteriores foram “Roma” (2018) e “No Ritmo do Coração” (2021), com três vitórias cada;
  • No início do filme, depois que o grupo principal de amigos veste seus uniformes, há uma tomada que os acompanha marchando e cantando com confiança com o restante dos soldados. A câmera os mostra na ordem em que morrem no filme: Ludwig, Kropp, Franz (fora da tela) e, finalmente, Paul;
  • O título, “All Quiet on the Western Front” (Tudo quieto na Frente Ocidental), refere-se ao final do romance no qual o filme se baseia, em que o leitor é informado de que a única notícia naquele dia era “não havia nada de novo a ser relatado na Frente Ocidental”.

Ficha técnica

Diretor: Edward Berger.
Roteiro: Edward Berger, Lesley Paterson, Ian Stokell e Erich Maria Remarque.
Produtores: Edward Berger, Daniel Brühl, Daniel Marc Dreifuss, Malte Grunert, Pavel Muller, Mark Nolting, Lesley Paterson, Thorsten Schumacher e Ian Stokell.
Diretor de fotografia: James Friend.
Editor: Sven Budelmann.
Design de produção: Christian M. Goldbeck.
Figurino: Lisy Christl.
Cabelo e maquiagem: Tamar Aviv, Linda Eisenhamerova, Jakub Holý, Tereza Hrdlicková, Filip Jansta, Aisha King, Zdenek Klika, Heike Merker, Matylda Petrova, Gabriela Polakova, Lisa-Marie Riegel, Daniel Ritthanondh, Juliette Ruetz, Daniela Skala, Karel Skop, Rene Stejskal, Leona Zimova e Georg Korpas.
Música: Volker Bertelmann.
Elenco principal: Felix Kammerer, Albrecht Schuch, Aaron Hilmer, Moritz Klaus, Adrian Grünewald, Edin Hasanovic, Daniel Brühl, Thibault de Montalembert, Devid Striesow, Andreas Döhler, Sebastian Hülk, Luc Feit, Michael Wittenborn, Michael Stange, Sascha Nathan, Tobias Langhoff, Anton von Lucke, Michael Pitthan, Joe Weintraub, Charles Morillon, Gabriel Dufay, Dan Brown, Philipp Schenker, Cyril Dobrý, Sebastian Jacques, Gregory Gudgeon, Cyril Cechák, Jakob Schmidt, Felix von Bredow, Martin Dostál, Marek Simbersky, Jakob Diehl, Friedrich Berger, Anthony Paliotti, Radek Brodil, Jonathan Henault, Nico Ehrenteit, Hendrik Heutmann, Daniel Kamen, Tomás Capek, Markus Tomczyk, Emil Rothermel, Wolf Danny Homann, Michal Závodský, Nicolas Prokop, Jacob Zacharias Eckstein, Adam Mensdorff, Peter Sikorski, Alzbeta Malá, Andrea Zatloukalová, Thomas Zielinski, Tomás Weber, Samuel Neduha, Martin Nemec, Tomás Merkl, Scott Atkins e Dominikus Weileder.

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