Filme "Loucos Por Justiça" (2020), diretor Anders Thomas Jensen.

Resenha do Filme Loucos Por Justiça (2020, Anders Thomas Jensen)

A parceria do diretor Anders Thomas Jensen com o ator Mads Mikkelsen na produção dinamarquesa “Loucos Por Justiça” (Retfærdighedens Ryttere na língua original ou Riders of Justice em inglês) está impecável. Este filme dinamarquês alinha em sua trama os gêneros de ação, comédia e drama com competência técnica e artística.


O pai de família e soldado do exército Markus (Mads Mikkelsen) está em uma missão quando recebe a notícia de que houve uma explosão no trem e que sua esposa e sua filha estariam entre as vítimas, sendo a primeira uma vítima fatal. Obrigado a abandonar a sua missão pelo exército, ele retorna para sua casa, na Dinamarca, onde agora terá de cuidar sozinho da sua filha, paralelo a dor do luto, somado à distância e consequentemente à falta de comunicação entre pai e filha. Logo Markus é surpreendido pela visita dos estranhos Otto (Nikolaj Lie Kaas) e Lennart (Lars Brygmann) que o relata não ser a explosão no trem um acidente, mas sim um assassinato planejado por uma gangue para eliminar uma testemunha-chave que estava no mesmo vagão onde estavam sua esposa e filha.

Assim que o filme começa, entra em cena dois personagens compostos por um avô com sua longa barba branca em companhia da neta, ele a leva para buscar o seu presente, uma bicicleta azul, que infelizmente estava em falta, disponível somente na cor vermelha. Logo é sugerido pelo homem que dará o presente a encomenda da bicicleta azul, em seguida a neta pergunta para o vô se ele vai realmente dar o seu presente, de pronto ele a responde: “Nada é certo nessa vida. Talvez você ganha, talvez não”. A neta então diz que acha que sim e o senhor remenda com a frase: “Se Deus quiser”.

A bicicleta azul de Mathilde.
A bicicleta azul de Mathilde (Anders Thomas Jensen) presa ao poste.

Por que destaco a breve cena descrita acima que abre o filme “Loucos Por Justiça”? Apesar de parecer inicialmente insignificante, é a partir da “encomenda” do presente de Natal da neta do bom velhinho é que se dá início à trama em que acarretará na onda de tragédias e violência em que os personagens do filme se submetem.

O que parece ser um simples furto de bicicleta, acaba por ser uma fator primordial que levou esposa e filha a estarem no trem onde ocorreu o atentado que ceifou a vida da esposa de Markus, pois mãe e a filha só entraram no trem porque a bicicleta azul da menina tinha sido furtada. Elas estavam no lugar errado e na hora errada. Seria o destino ou a coincidência?

Anestesiado e com o psicológico totalmente bagunçado, o brucutu Markus está com o sangue nos olhos e com a faca entre os dentes na busca de fazer justiça com as próprias mãos – ou seria vingança? – contra os responsáveis pelo fim da vida de sua amada esposa, sem falar no trauma carimbado na memória de sua filha, Mathilde (Andrea Heick Gadeberg).

Chega a ser curioso o contraste que há entre a onipresente fisionomia séria e fechada de Markus em contraste com o trio de nerds – que mais se parecem com os três patetas. Otto (Nikolaj Lie Kaas), Lennart (Lars Brygmann) e Emmenthaler (Nicolas Bro) são os responsáveis por equilibrar o peso da ação e do drama com o humor, este muitas vezes em tons inusitados de um humor ácido. O trio também auxilia o protagonista na busca pelos assassinos e, ironicamente, em meia à ação, servem como terapeutas de Markus e Mathilde.

Markus e seus companheiros de justiça Otto, Lennart e  Emmenthaler.
Markus (Mads Mikkelsen) no carro acompanhado do trio Otto (Nikolaj Lie Kaas), Lennart (Lars Brygmann) e Emmenthaler (Nicolas Bro).

Destaco neste parágrafo dois diálogos importantes redigidos a duas mãos, de maneira natural, pelo também premiado diretor Anders Thomas Jensen e pelo seu parceiro e roteirista Nikolaj Arcel; de forma inteligente a dupla desenvolve os diálogos centrais em que Otto conversa com Mathilde e depois com Markus. Com a filha, Otto observa os post-it colados à parede, e escrito neles, todos os eventos que levaram ao acidente, na sequência Otto explica à garota que cada um dos acontecimentos obedecem a uma cadeia de eventos, formando assim uma teia interconectada com outros eventos e a vida de outras pessoas. Conclui que seria quase que impossível descobrir uma razão para o fim em meio a outras muitas razões inúteis. Mathilde encerra dizendo que as coisas fazem mais sentidos quando tem alguém para a gente culpar.

Já a conversa com Markus gira em torno do sentimento de culpa de Otto ao ceder o seu acento no trem para a esposa de Markus, pois do contrário seria ele a morrer. Otto orienta o pai de Mathilde a aprender a viver com a morte da esposa e o orientando a procurar uma ajuda profissional devido ao luto, alinhado ao transtorno psicológico, e por ter a responsabilidade total de cuidar da filha.

Vale ressaltar que Otto carrega o peso da morte nas costas, uma vez que dirigindo alcoolizado bateu o carro em uma árvore, resultando na morte de sua filha; assim seu conselho acaba por cair em contradição, o que faz escorrer uma lágrima pela maça do seu rosto e ele acaba por confessar que à época era um idiota que só pensava nele mesmo, e que não tem um dia que ele não deseja ter tido mais uma chance de convívio com sua filha.

Ambos os diálogos são uma verdadeira sessão de terapia em meio ao caos em que todos estão envolvidos. A saúde mental do protagonista é com certeza um critério a cuidar após o cessar fogo e também a comunicação entre pai (Markus) e filha (Mathilde), só assim o pai conhecerá realmente a filha que tem. Só dessa forma as coisas começarão a fazer sentido na vida do agora ex-soldado.

Os personagens estão sentados à mesa jantando e conversando.
Os personagens reunidos à mesa de Markus (Mads Mikkelsen) conversam enquanto jantam.

Há mais um diálogo que evidência a essência dos personagens, esta conversa é entre Lennart e o ucraniano Bodashka (Gustav Lindh), este revela toda sua vida passada até a fatídica situação em que se encontra, ou melhor, que foi encontrado. As competentes atuações sobressai ainda mais o roteiro, que por sinal merece seu devido mérito.

Aí você me pergunta: e a ação, onde entra nesta história? Então lhe digo, as sequências de ação acontecem com um pouco mais de passados uma hora de filme. Demora a acontecer, mas quando dá ínicio você terá tomadas muito bem captadas e tiros à queima-roupa impiedosos. Espere e assista. 

Não tenho dúvida que “Loucos Por Justiça” é mais um filme dinamarquês que na minha opinião tem o seu lugar garantido na sua seleta estante dos destaques para ver e rever, trata-se de um thriller de ação dos mais loucos (no bom sentido, claro) que em certos momentos nos tira algumas risadas e em outros nos estimula ao exercício da reflexão através da periferia da psique humana. Está é minha resenha de filme para você. Bom filme!

NOTA: Nota do crítico - 5 estrelas (excelente!)

 

Trailer

Pôster

Pôster do filme "Loucos Por Justiça" (2020)

Curiosidades sobre Loucos Por Justiça

  • A barba de Mikkelsen levou apenas dois meses para crescer. Ele teve mais dificuldade em ganhar músculos para o papel, apenas conseguindo adicionar 14 libras (equivalente a 6,35029 KG) no máximo a sua estrutura normalmente magra de 1,80 metros;
  • Loucos por Justiça é agora a quinta colaboração consecutiva entre o diretor Anders Thomas Jensen e os atores Mads Mikkelsen e Nikolaj Lie Kaas. Os outros são “Flickering Lights” (2000), “Carne Fresca, Procura-se” (2003), “Entre o Bem e o Mal” (2005) e “Homens e Galinhas” (2015);
  • Markus, um soldado de elite, está segurando um fuzil apreendido de forma aparentemente desajeitada e amadora, mas isso ocorre porque o fuzil não tem miras de ferro e, em vez disso, ele precisa alinhar toda a extensão do trilho superior com os dois olhos para obter uma visão real;
  • Todos os principais personagens dinamarqueses são interpretados por atores dinamarqueses, enquanto o personagem ucraniano é interpretado por um ator sueco, ou seja, Gustav Lindh;
  • Não é a primeira vez que Nikolai Lie Kaas interpreta um personagem chamado Otto. Ele interpretou Otto Hvidmann em “Heróis da Resistência – Uma Luta Pela Liberdade” (1991), que também foi a primeira aparição na tela grande de Lie Kaas;
  • Mads Mikkelsen realmente bateu a cabeça no espelho do banheiro (em uma entrevista, ele disse que “isso foi um pouco doloroso”). Foi ideia dele, ele convenceu o diretor e a seguradora do filme a deixá-lo dar a cabeçada. O coordenador de dublês testou e colocou uma capa protetora para evitar que o vidro se lascasse, mas não havia acolchoamento atrás dele, apenas uma parede de concreto. Mikkelsen disse que seu plano era fazer isso talvez quatro vezes, mas ele conseguiu lidar com apenas duas antes de dizer ‘É isso’ e recorreu a socar os punhos no espelho, fazendo apenas algumas antes de decidir passar para outra coisa para destruir;
  • Mads Mikkelsen disse sobre o toalheiro na cena da destruição do banheiro: “Aquela coisa de toalha, parecia que eu poderia arrancá-la, mas não consegui. Eu chutei, puxei. Ela não se moveu.” O erro do rack entrou no filme – “Nós mantivemos isso por causa da falta de jeito, isso foi interessante”, disse Mikkelsen;
  • Os atores Daniel Craig e Mads Mikelsen interpretaram personagens que são pais de uma filha chamada Mathilde. Craig foi o ator de James Bond em cinco filmes, enquanto Mikelsen interpretou o vilão de Bond, Le Chiffre, em “007: Cassino Royale” (2006). Craig e Mikelsen são pais de uma personagem filha chamada Mathilde nos filmes “007: Sem Tempo para Morrer” (2021) e “Loucos por Justiça” (2020), respectivamente.

Elenco principal

Diretor: Anders Thomas Jensen.
Roteiro: Anders Thomas Jensen e Nikolaj Arcel.
Produtores: Andreas Bak, Karen Bentzon, Sidsel Hybschmann, Ann-Alicia Thunbo Ilskov, Lizette Jonjic, Sisse Graum Jørgensen e Maj-Britt Paulmann.
Diretor de fotografia: Kasper Tuxen.
Editor: Anders Albjerg Kristiansen e Nicolaj Monberg.
Design de produção: Nikolaj Danielsen.
Figurino: Vibe Knoblauch Hededam.
Cabelo e maquiagem: Jill Arnfjord, Thomas Foldberg, Louise Hauberg, Cecilie Hvidberg, Lauge Voigt e Anna Örnberg.
Música: Jeppe Kaas.
Elenco: Mads Mikkelsen, Nikolaj Lie Kaas, Andrea Heick Gadeberg. Lars Brygmann, Nicolas Bro, Gustav Lindh, Roland Møller, Albert Rudbeck Lindhardt, Anne Birgitte Lind, Omar Shargawi, Jacob Lohmann, Henrik Noël Olesen, Gustav Dyekjær Giese, Klaus Hjuler, Peder Holm Johansen, Christina Ibsen Meyer, Rikke Louise Andersson, Jesper Ole Feit Andersen, Morten Suurballe, Stine Schrøder, Jesper Groth, Natali Vallespir, Rigmor Ranthe, Anders Nyborg, Christian Hornhof, Natasja Crone, Johanne Dal-Lewkovitch, Kaspar Velberg, Marta Riisalu, Raivo Trass, Nadia Mhadhbi, Kamal Krayti, Veronica Verdugo, Christian Høgh Andersen, Mikkel Aarestrup, Alice Bier Zanden, Kenny Duerlund, Anne Fletting, Jakob Candy Kolborg, Nikolas Kouroumtzis, Pia Larsen, Ghita Lehrmann e Patrick Kweku Kværnø Quansah.

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